AS HERMENÊUTICAS E A HERMENÊUTICA DO PRESENTE
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Tentaremos neste trabalho desenvolver os elementos para uma concepção que tente redimensionar as Ciências Humanas instaurando um conjunto interpretativo que trará elementos para uma Hermenêutica do Presente. Para tanto será necessário pelo menos dois grandes campos de atuação: primeiro, no “mundo das ideias”, onde se insere a questão filosófica da interpretação e, segundo, no “mundo das Ciências Humanas”.
No primeiro campo, a Hermenêutica que chamaremos do Presente não é a Hermenêutica tradicional, aquela que interpreta o sentido das palavras, dos textos sagrados ou das leis; muito menos aquela que se quer como uma estrutura da existência humana, como gostaria Heidegger (IV: 1969, 1970, 1971, 1988), fazendo da interpretação o modo de ser do homem, criando uma teoria que se torna vítima da ocidental universalização da Razão, aparecendo aqui como constitutiva do próprio ser; ou aquela de Gadamer (III: 1977, 1993) e sua redução do ser à linguagem, criando um positivismo superdisfarçado e inteligente, mas caindo na mesma armadilha metafísica de Heidegger; nem a Hermenêutica Total de Eliade (I: 1972, 1983, 1989b, 1989c), principalmente pelo seu não enfrentamento dos paradigmas limitantes e paralisadores da ocidentalidade, aceitando-os sem contestação, criando um belo sistema geral das mitologias mas sem dissolver as armadilhas da “nossa” própria mitologia, tornando-se para as “outras” um pensador-cientista e para a “nossa” um crente sem contestação e consciência (Eliade: 1983).
Para Eliade a Hermenêutica “... classifica-se entre as fontes vivas de uma
cultura” (I: 1989c: 80). Se para Heidegger é modo de ser do ser que é o Homem,
para Eliade é modo de ser da Cultura. O mundo sai intacto dessas
interpretações.
A Hermenêutica de Freud (IV:1972a) mostrou-se insuficiente, ironia do seu
próprio complexo de morte e castração. Sua aceitação dos pressupostos
positivistas da ocidentalidade, só o fizeram radicalizar seus elementos, sem
mudar-lhes o sentido; sua crítica, na verdade, é falsa-crítica: em vez de
dissolver, constituiu em Ciência os velhos paradigmas ocidentais,
universalizando-os mais uma vez. Como disse o tão “metafísico” Jung, “... o
critério metodológico do tipo de psicologia que represento. Trata-se de um
ponto de vista exclusivamente científico, isto é, tem como objeto certos fatos
e dados da experiência. Em resumo: trata de acontecimentos concretos” (I:
1977a:8). O mundo ocidental, depois do falso e hipócrita horror à análise
vienense, sai renovado e fortalecido. Sua lógica é a mesma de sempre. Seus
“objetos de estudo” são os fantasmas da Razão voltando como objetos, como
deformações doentias da consciência, não mais como razões e espírito; sua
“volta” se dá como falsa interioridade, como exterioridade camuflada que deve
ser estudada, ordenada, curada. Seus métodos não ultrapassam a positivista
maneira de conceber e reproduzir o mundo.
Bachelard (III: 1973, 1974, 1977a, 1977b, 1878a, 1978b), lutando bravamente
contra os reducionismos cartesianos da ciência e da racionalidade, não consegue
fugir ao cogito e ao logos, que, mesmo noturnamente poetizados,
não se desmontam nas suas imensas mãos de anjo. No fundo sua poética parte de
da Natureza e aceita a Ciência: seus horizontes.
Levi-Strauss (I: 1976c, 1976d, 1976e, 1981) é a “conseqüência lógica” do longo
trajeto aristotélico da nossa ampla mitologia ocidental; com ele a sedução do
imóvel volta a nos cercar: seu olhar é o da medusa: sua Hermenêutica é
tipicamente neo-positivista: sua meta é desistoricizar, caindo nos veios
tradicionais do conceber o mundo tanto da ocidentalidade em geral quanto do
horror ao vácuo da burguesia, tendo que preencher tudo mesmo que seja com
significados imóveis e poesias matemáticas.
Para Durand o processo de “... extinção do símbolo...” e “... o triunfo do
“signo” sobre o símbolo...” (I: 1888: 24/25), assegurado inicialmente por
Descartes (IV:1962a, 1962), coloca a imaginação no limbo, instaurando as
virtudes científicas como método universal. Sua defesa da imaginação simbólica
e sua análise de algumas Hermenêuticas são exemplares; a compreensão dos
limites da Razão ocidental e da Ciência, embora não as supere, são
fundamentais. No entanto, sua teoria paira no ar. Sua visão de mundo corta as
amarras com o homem concreto, refugiando-se num além arquetípico. Uma História
por sua perspectiva seria uma História de fantasmas, de sombras mitológicas,
onde o mundo se desfaz em símbolo e significado, nada tendo a ver com as
relações sociais concretas, com homens vivos, tendo como “fim teórico”, em vez
de uma Hermenêutica, somente uma Teosofia camuflada. A Histórias do Imaginário
é, na verdade, uma História estruturalista, uma História dos invariáveis, imóvel,
vivamente idealista. O imaginário deve ser reconquistado como uma das
dimensões, dimensão fundante, mas não exclusiva nem determinante, tão somente
mais um elemento essencial na necessária multiplicação dialética dos
sujeitos/objetos/significados/campos.
Uma Historia do Imaginário só é possível porque estamos numa estrutura social
onde os meios de comunicação de massas (Ortega Y Gasset: IV: 1957, 1960;
Baudrilard: IV: 1985, 1990, 1991), a imagem, o signo, a informação tornaram-se
a única visibilidade, deformando por fagositose todos os possíveis campos da
temporalidade e do concreto, que só nos aparece agora como informação, imagem
virtual, projeção televisiva, cosa mentale que pensa que é o
mundo e o único mundo. Sem essa concreta historia não seria possível
essa imaginária história. Não que haja divisão entre as “duas”, porque
na verdade são uma só e todas as duas só existem “mitologicamente”: é
precisamente uma “determinação em última instância” o elemento deformador de
qualquer estrutura histórica.
Se o marxismo perde uma imaginação simbólica por ter os pés somente numa
terra-imaginária que propõe ser a única realidade, comungando com o positivismo
e a Razão ocidentais, as teorias do imaginário normalmente perdem o homem
concreto, o fundamento vivo, em detrimento de um imaginário em-si, auto-gerador
e gerador do mundo, substituindo assim os outros “universais” que dizia
combater. Esses dois limites são, na verdade, dicotomias produzidas pelo campo
de força do Capital.
Com as Hermenêuticas Historicistas (Meineke, II: 1943; Lowy, IV: 1985)
teoricamente tudo se tornou histórico. Essa historicização absoluta de tudo
esqueceu de historicizar realmente a “História e a história”: tornou-se, sem
querer, uma visão fechada em seu universalismo tipicamente ocidental, mito
mistificado. Esse tipo de historicidade, que fundamenta muitas visões de mundo,
é um trompe-l’oeil que faz do ser uma armadilha e da pretensa
conciliação entre o real e o racional uma ponte entre “o mundo da identidade
burguesa” e a racionalidade do senhor, fundamento de todas as racionalidades
ocidentais. Na realidade, as visões da História são ainda etnocêntricas, mas
depois de se haver superado os etnocentrismos mais explícitos, temos hoje
matizes, restos de raízes e sutis inclinações imperceptíveis que deformam muito
mais que a antiga xenofobia, principalmente porque se tornaram um verdadeiro
espelho de Narciso purgado pelas agulhas de Édipo.
A historicização da Razão não a salva de um necessário acerto de contas.
Enquanto não se encontrar as armadilhas inerentes ao “nosso” modo de ser e de
pensar, armadilhas que nos impõe acima de tudo e sobre tudo, não poderemos
constituir uma Hermenêutica do Presente, aberta, polissêmica, real e vivamente
histórica, podendo realizar sua sedução interpretativa, sem querer-se
ontologia, disfarçando a cancerígena universalidade do logos numa teoria
que não faz mais que reproduzi-lo.
Uma das funções da Hermenêutica do Presente não é de integração ou de simples
interpretação: é antes de tudo crítica. Seu papel desintegrador é primordial.
Sua negatividade é fundante: só assim pode se propor outra interpretação. Sua
existência é demiúrgica: ela não colhe o sentido e o significado: ela cria o
significado e o sentido do significante, cria o próprio ser, sem fugir de ser
uma linguagem, de ser uma perspectiva em busca de sentidos e dissoluções. Os
“estudos sociais” como Hermenêutica “reconquista” sua função primordial que é a
de criar/interpretando o significado do humano e não somente o de “descrever o
passado”, “estudar o homem”, “analisar conjunturas”, “entender o espaço”.
No segundo campo, a situação das Ciências Humanas não é diferente do restante
do conhecimento: está diante da esfinge: a universalidade da Razão e do
Capital, sua mãe e seu pai; a identidade como princípio lógico hegemônico, não
conseguindo compreender-nos como “mais uma perspectiva” mitológica; a Ciência
como parâmetro de todo conhecimento e toda realidade, sendo na prática e no imaginário
o único saber legítimo e verdadeiro; a inescapável e persistente perspectiva
etnocêntrica; as racionalidades voltadas para si mesmo, sem força para resistir
aos eixos produtivos; ontologias que na verdade são camuflagens da Razão
ocidental; temporalidades prisioneiras das “percepções primárias” dessa mesma
consciência fundada na Razão ocidental e nas formas sociais capitalistas,
avalizando uma historicidade fragmentar reificada; a fragmentação dos saberes
no interior do próprio conhecimento social. A consequência é que as Ciências
Humanas têm sido variações em torno do “positivismo” mesmo ao se dizer contra e
outra-coisa, principalmente porque a questão não é somente de perspectiva
teórica mas se enraíza nos modos de ser da ocidentalidade.
A defesa de qualquer Ciência Humana científica apresenta-se hoje de forma
estranha: por um lado, os que a defendiam não mais a defendem, perderam as
antigas esperanças de transforma-la em “ciência-natural do homem”; os que não
pensaram no caso a defendem enquanto ciência e só enquanto ciência como cães
danados, como se toda outra concepção fosse uma “traição de classe”.
Nosso trabalho pretende ser a busca de uma Hermenêutica que, partindo de uma
radical historicização dos campos teóricos, supere inicialmente algumas
barreiras pratico-teóricas que são normalmente “não vistas”, tendo-se como
certo algo que é, na verdade e bem antes de ser de classe, apenas perspectiva
mítica, tomando os “altos ares” de Ciência e verdade.
O que é
Hermenêutica:
Hermenêutica
significa interpretar, e é um termo de origem grega. Hermenêutica na Bíblia é a
compreensão das escrituras, para compreender o sentido das palavras de Deus.
Hermenêutica está presente na filosofia e na área jurídica, cada uma com seu
significado.
Hermenêutica Bíblica
Hermenêutica
na Bíblia é a arte que estuda as escrituras, o que cada palavra, frase e
capítulos significam. Existem muitos textos na Bíblia difíceis de compreender,
por isso a hermenêutica faz-se essencial para as pessoas que não tem muito
conhecimento das palavras e dos símbolos.
Hermenêutica na Filosofia
Na
filosofia, hermenêutica é a ciência que estuda a arte e a teoria da
interpretação, e surgiu na Grécia Antiga. A hermenêutica estuda diversos
assuntos em diversas áreas, como literatura, religião e direito. Na filosofia,
hermenêutica é fundamentada por Hans-Georg Gadamer, que escreveu um livro sobre
como explicar e analisar textos de forma coerente, através de métodos
especiais.
Hermenêutica Jurídica
Na área
jurídica, hermenêutica é a ciência que criou as regras e métodos para
interpretação das normas jurídicas, fazendo com que elas sejam conhecidas com
seu sentido exato e esperadas pelos órgãos que a criaram. Toda norma jurídica
deve ser aplicada em razão do todo do sistema jurídico vigente, e não depende
da interpretação de cada um, ela deve estar vinculada aos mandamentos legais de
uma sociedade.
INTRODUÇÃO
O termo hermenêutica foi cunhado no século XVII, fazendo referencia ao problema da compreensão/interpretação dos textos, bem como às ações humanas e seus produtos culturais. No primeiro momento apresentava relação com o contexto teológico para melhor entendimento da Bíblia. Por volta do século XVIII, sua utilização se dá também pela filologia – como arte de compreender a literatura clássica, e também pela jurisprudência – como meio de entender as normas jurídicas. Com o desenvolvimento pratico da hermenêutica, no século XIX, alguns teóricos alemães da Escola Histórica estenderam o campo de atuação da hermenêutica para analise e interpretação dos produtos históricos, fazendo surgir o que hoje se entende por ciências sociais. Justamente nesse período que a hermenêutica foi adjetivada de romântica, pela relação de desenvolvimento realizado pela escola histórica alemã no período do seu romantismo. No século passado, a hermenêutica adquiriu um caráter filosófico no sentido de que esta não pode ficar limitada ao entendimento científico, mas também a todos os campos humanos do conhecimento.
A partir desde desenvolvimento pratico – cientifico, podem-se identificar duas vertentes hermenêuticas. A primeira, tida como especifica e limitada, militava-se a favor das ciências humanas, resultado dos diferentes elementos da teoria social, ocupando-se apenas com a compreensão, em alemão Verstehen. A segunda por sua vez apresentava características gerais e mais contemporânea, onde se entendia que a interpretação hermenêutica deveria preceder toda investigação cientifica uma vez que estaria presente a interação do homem das suas mais variadas formas desde a sua inteiração até a sua compreensão, vertente que foi desenvolvida e propagada respectivamente por Heidegger e Gadamer.
Prof. Fortunato
EXEGESE DA HERMENÊUTICA ROMÂNTICA
Autores como Schleiermacher, Droysen e Dilthey buscaram desde o século XIX construir uma teoria da interpretação, marcando o inicio da hermenêutica como disciplina acadêmica, entendida como a hermenêutica romântica. Contudo, os problemas de compreensão e interpretação datam de mais tempo, como se pode perceber na interpretação humanística filológica, da jurisprudência e da teologia. Não podendo se esquecer que o período relacionado à interpretação teológica apresentou enorme influencia sobre os períodos subsequentes pelo seu alto grau de desenvolvimento pratico.
Este desenvolvimento se deu principalmente às questões levantadas pela reforma protestantes que conflitavam a leitura tradicional da Bíblia. A Reforma promovida por Lutero entrou em conflito com as idéias disseminadas pela Igreja, que detinha controle sobre a forma de vida das pessoas da época. Uma nova leitura, desvencilhada dos ideais católicos foi apresentada por Lutero que defendeu a interpretação das escrituras apartada do excesso de dogmatismo católico. Lutero defendia a ideia da interpretação vinculada das passagens individuais com o contexto geral de sua construção e vice-versa, determinando o circulo hermenêutico – ou seja, a relação de dependência entre a parte e o todo - que serve de base ao principio de interpretação desenvolvido pela reforma.
Para fazer face àquelas tentações e riscos, Paul Ricoeur ainda reconhece as múltiplas ligações do texto, bem como o círculo hermenêutico no qual desliza sua interpretação. Como ponto de partida para conhecer (do latim co-nascere) o sentido da obra, portanto, ele propõe: uma desistorização da obra; uma despsicologização da significação, onde a intenção do autor dá lugar às veredas em que se vê o sentido percorrer vários canais; uma desabsolutização do texto, onde os vários sentidos da obra articulam-se no círculo entre seu interior e seu exterior; uma desrelativização da interpretação, onde ela se desvencilha da interpretação tradicional e dos seus efeitos "demagógicos" e uma dessubjetivização da leitura, onde o universo do leitor é sempre colocado diante da alteridade do mundo da obra e das suas tradições interpretativas com as quais, circular e permanentemente, dialoga(8).
Esses procedimentos reconduzem àquela "autonomia do texto", o qual, inicialmente, exige ser confrontado como objeto primário, "virginal". A "autonomia semântica" do texto evita, por exemplo, tanto o inconveniente do modelo romântico onde muitas vezes pouco importa a intenção do autor, talvez até inacessível, quanto o inconveniente estruturalista de manter-se num texto fechado e absoluto. Para a hermenêutica de Ricoeur, o sentido não está nem dentro e nem fora do texto, mas circula entre múltiplos canais: o do autor(9), o do leitor, o da obra, o da tradição e o do público. Contudo, ela não visa a um saber absoluto capaz de sintetizar todos esses múltiplos canais e dirigi-los a um sentido definitivo do texto e da obra nem pretende um saber ou mediação total. O que dela se deriva são, apenas, mediações parciais que nos dão várias perspectivas da obra, semelhante ao cubismo, semelhante à percepção onde só podemos apreender perfis de um objeto, semelhante ao poliedrismo, camaleonismo, polimorfia e metamorfia da linguagem e do saber de Leon Battista Alberti, no início do século XV.
A hermenêutica proposta por Ricoeur postula uma teoria da significação onde o sentido não habita nem o mundo físico, nem o mundo psíquico, nem o mundo da tradição, nem o mundo do público, nem o mundo do leitor, mas o mundo do texto. Nesse mundo do texto várias possibilidades de significação permanecem abertas e inconclusas. As conjecturas formuladas sobre ele destinam-se menos à verdade do que à validade, menos o vero e mais o verossímil, menos o fato dado e absoluto e mais o fato como intriga, como muthos.
Ao tomar a frase e o conjunto de frase como intriga, trama ou enredo, como o faz Paul Ricoeur a partir da Poética de Aristóteles, a interpretação hermenêutica reconhece a plurivocidade do texto e o abre à pluralidade de interpretações e leituras, tal como o olhar de Alberti e de Donatello frente ao humanismo quatrocentesco. Esse "perspectivismo" aliás, é promovido pelo próprio Renascimento, ao substituir o ponto de vista total, absoluto e divinizado pelo ponto de vista do homem mundano, parcial, finito e terreno, como se vê na perspectiva da pintura e da arquitetura do século XV.A principio havia um conflito dogmático, pois a Bíblia representava um todo unitário, só que concretizado por vários autores de diferentes épocas e regiões, o que ocasionava a necessidade de reconstrução ou interpretação do contexto vivenciado por cada um deles para a correta interpretação das passagens individuais, o que retornava à ideia de unidade.
Entende Scheleiermacher que o raciocínio descrito acima não deveria se restringia a interpretação dos textos sagrados, abrangendo qualquer texto ou sentença. Estava sim, preocupado em defender o caráter científico da hermenêutica formado filosoficamente no modelo moderno, implantado pela análise do conhecimento e afim presente em toda a interpretação. Abriu-se assim o entendimento para a necessidade de se mudar o objeto de analise/interpretação da hermenêutica, que antes se restringia ao campo teológico (pré-romantismo) dando característica substantiva à compreensão. Passa-se então a enfocar a questão do porquê de uma ideia ser expressa de um modo e não de outro, caracterizando a interpretação de forma genética, procurando superar um mal-entendido provocado pela compreensão da linguagem, expressão da individualização doser e do seu pensamento. Scheleiermacher desta forma busca desfocar o pensamento errôneo de ater-se apenas ao que foi dito, desconsiderando a individualidade de quem o diz, relevando todos os elementos que são e foram responsáveis pela forma de expressão bem como ao momento vivenciado.
A lógica e metodologia da ciência atrelada ao conhecimento elevam a hermenêutica a uma categoria universal, decorrente da união das variadas práticas interpretativas já existentes, por meio do valor subjetivo transcendental (apropriação romântica do modelo moderno) refletido de forma especifica, afastando a hermenêutica de seu ponto inicial. Surgindo então um novo fator de analise para interpretação das ações humanas, sejam elas escritas, orais, gestuais ou não, que é o fator psicológico descritivo que individualiza o ser presente no todo, e que este por sua vez impõe condições de expressão e ao mesmo tempo é fruto dessa expressão, binominio domínio-dominação. Relaciona-se a psicologia descritiva com a antropologia já que esta seria uma ciência incorporada de todas as funções da vida psíquica, deslumbrando sua importância e relações, explicando inclusive o obvio e evidente, para que se resolva todo o mal-entendido estranhamente resultante do que se fala e pensa. Superando dessa forma a simples interpretação literal-gramatical do texto.
A inclusão desde novo fator trouxe uma nova possibilidade de interpretação da história, já que se ampliava o seu método de estudo, pois expunha agora de forma mais clara e necessária a importância da reconstrução textual mediante intenção mental do seu autor. Fazendo referência que não se deveria entender a historia de maneira pura como uma ciência exata, desvinculada de qualquer ação humana que na verdade são compostas de motivos particulares e motivadas.
As relevâncias desta exposição atem-se a relação estabelecida entre a teoria interpretativa e a filosofia da historia, resultando na ciência social interpretativa. Esse relacionamento e desenvolvimento praticam durante o tempo possibilitou que a hermenêutica saísse do campo da interpretação de textos bíblicos apenas para um método cada vez mais teórico que possibilitou auxiliar o desenvolvimento da interpretação, analise das ciências e dos homens.
Assim sendo, a relação entre vida humana, expressão e sua significação na sua ideia de sinal e sentido (nexo estrutura) parte da própria natureza é a exteriorização do mundo individual, vivido; entender o conjunto de fatores psíquicos é o papel fundamental da hermenêutica moderna e universal que busca um modelo metodológico apropriado para as ciências humanas. A hermenêutica, agora como teoria universal da compreensão e interpretação, possibilita a reconstrução a partir da intenção e circunstâncias originárias do autor, a sua intenção.
Dilthey veio a reconhecer que a re-experiência não poderia
ser uma reprodução perfeita da experiência original, o que colocava sérios
limites ao uso da Nacherleben como método. Foi este tipo de preocupação
com o problema do entendimento de expressões externas que o levou a se
interessar pela hermenêutica, diferenciando-a da compreensão psicológica
através da ênfase no contexto histórico dos indivíduos. Deve ser notado que a
compreensão psicológica de Dilthey nunca foi propriamente individualista, pois
esta baseava-se em uma concepção de indivíduo cuja base existencial era fruto
de uma intersecção de organizações ou sistemas culturais. No entanto, o
reconhecimento das limitações da Nacherleben como método levaram Dilthey
a colocar mais ênfase na referência a "categorias, figuras e formas de
vida que não emergem da existência individual" (Dilthey).
A preocupação com a dimensão cultural da vida fez com que
Dilthey encarasse as expressões humanas como a manifestação de um
"espírito objetivo", normalmente concebido em termos de cultura ou de
sistema social. Compreensão ou Verstehen tornou-se então o método que
permitiria a reconstrução do processo de objetivação ou exteriorização da
atividade humana, e não mais buscava a reconstrução das experiências vividas.
Com esta mudança no pensamento de Dilthey, seu foco passou a
ser as estruturas nas quais a atividade humana era objetivada. A adoção do
conceito hegeliano de espírito objetivo tornou evidente a afinidade do início
de sua carreira com a Escola Histórica, notadamente, com a base
anti-individualista de seus pressupostos ou, mais apropriadamente, com a
crítica da Escola Histórica ao individualismo racionalista do séc. XVIII. Por
outro lado, Dilthey manteve sua crítica inicial ao idealismo presente naquela
tradição através da negação da base especulativa da metafísica hegeliana, isto
é, ao negar o status ontológico do conceito de espírito objetivo (Raynaud;
1987). Para ele, o espírito objetivo deveria ser considerado um conceito
metodológico necessário à compreensão daquilo que transcende as relações individuais,
mas que não encontrava um correspondente estrito na realidade. De fato, sendo
relacionado a, e às vezes concebido como sistema, o conceito de espírito
objetivo aponta para a idéia de que o significado só aparece em uma totalidade,
em certo sentido, auto-contida segundo Dilthey:
Cada unidade do
mundo do espírito tem seu centro em si próprio. Assim como o indivíduo, cada
sistema cultural, cada comunidade têm um ponto focal em seu interior. Nele, uma
concepção da realidade, um esquema valorativo e a produção de bens são ligados
a num todo.
Também a oposição inicial entre mente e natureza assumiu um
status mais claramente metodológico: a distinção refere-se, a partir de então,
primordialmente à necessidade de auto-reflexão por parte do pesquisador a fim
de apreender um significado que está presente na própria estrutura da vida, da
qual o pesquisador também faz parte. Esta prescrição metodológica deriva do
círculo hermenêutico, que passa a ser concebido como um método objetivo
de pesquisa para as ciências humanas e de acordo com o qual todos os nossos
prejuízos e pré-noções seriam deixados de lado. A objetividade do método seria
dada, por um lado, pela situação privilegiada do intérprete em relação aos
produtores originais do significados, já que este tem acesso a um todo já
constituído e, por outro, pela possibilidade de acesso a um contexto que
transcende a situação particular do intérprete (os sistemas culturais).
Como afirma Gadamer, no entanto, a passagem de uma fundamentação
psicológica para uma fundamentação hermenêutica das ciências do espírito não
passou de um esboço. Questões relativas à objetividade do método hermenêutico
nunca foram resolvidas, e existem críticas particularmente fortes à noção de
círculo hermenêutico adotada por Dilthey como sendo um "círculo
vicioso" impossível de ser rompido. No que se refere ao problema da
objetividade, a questão principal diz respeito à impossibilidade de conhecer o
espírito objetivo ou a totalidade histórica antes que a mesma venha a cabo. Por
outro lado, se ao invés de uma totalidade histórica o espírito objetivo é
concebido como um sistema, ou melhor, como sistemas culturais, é preciso levar
em conta que estes sistemas necessariamente representam visões de mundo
particulares, o que leva a um relativismo inevitável.
Talvez por deixar em aberto estas questões, a
"virada" holística e metodológica da fase final da obra de Dilthey
não foi suficiente para excluir a compreensão psicológica da ciência social
interpretativa. Embora a interpretação hermenêutica de Dilthey contraste
fortemente com uma explicação causal, creio que ela não exclui a possibilidade
de as ciências sociais terem como tema a compreensão das atividades individuais
que dão origem a entidades coletivas objetivas (entendimento genético ou
psicológico). Segundo Outhwaite,
Dilthey acredita
que as ações podem ser entendidas, embora de maneira menos confiável que os
sistemas científicos, religiosos, artísticos ou filosóficos, uma vez que elas
tenha sido completadas. Dilthey parece sugerir que seus motivos podem ser
reduzidos a um propósito claramente definido (ideal-típico?) que pode ser
entendido dentro de uma situação objetiva dada (...).
O que fica claro é que, embora Dilthey tenha operado uma
distinção importante entre compreensão hermenêutica e compreensão psicológica e
claramente tenha optado pela primeira como método interpretativo por
excelência, seus argumentos não possibilitaram por um fim aos problemas
relativos à compreensão. De fato, esta polêmica deve-se, em parte, ao próprio
Dilthey. É importante considerar que a caracterização das ciências sociais como
ciências interpretativas deriva da definição um tanto fluida de seu objeto de
investigação: o processo de objetivação da atividade humana.
Para Philippe Raynaud, esta definição geral, juntamente com a
ideia de objetividade presente na concepção de Dilthey de ciência social,
autoriza tanto a adoção de uma abordagem holista, através do conceito hegeliano
de espírito objetivo, quanto um individualismo metodológico radical. A história
constitui um domínio objetivo (externo), cuja identidade é garantida apenas
pela compreensão interna de seu significado. Mas este significado pode se
referir aos fenômenos psicológicos, e portanto individuais, que lhe deram
origem (compreensão genética, motivacional ou psicológica), ou às expressões
simbólicas que estruturam a vida social (compreensão substantiva ou
hermenêutica). Não é, portanto, à toa que ainda hoje consome-se muita tinta e
papel com o intuito de se estabelecer que tipo de significado deve ser
compreendido (se de sistemas culturais, ações individuais, ou ambos, a depender
da ontologia social em questão) e como esta compreensão deve ser alcançada
(análise hermenêutica, linguística, psicológica, etc.).
Seja como for, a contribuição de Dilthey para as ciências
sociais deve ser avaliada de maneira dupla: Em primeiro lugar, baseando-se na
diferenciação entre mente ou espírito e natureza, estabelece que o mundo social
é um mundo de expressões humanas, de significados, e que pode ser acessado
internamente, isto é, a partir de significados que se encontram presentes nos
próprios atores que o compõem. Neste sentido, estabelece que o método das
ciências sociais deve fazer referência a estes significados, caracterizando as
mesmas como fundamentalmente compreensivas ou interpretativas. Em segundo
lugar, buscando dar um aspecto "mais objetivo" e "menos
intuitivo" ao método das ciências sociais, diferenciou a compreensão
psicológica ou motivacional de interpretação hermenêutica, reconhecendo, de
maneira um tanto paradoxal, que a compreensão ou entendimento, seja a partir do
método psicológico, seja do hermenêutico, é sempre relativa e imperfeita.
Como processo evolutivo da ciência, Heidegger apresenta em sua obra “Ser e Tempo” (1927) a exigência de uma reposição da questão do sentido do ser, já que a historicidade acolhe o tempo, que por sua vez influencia o modo de ser do homem, que não é absoluto e nem eterno. Essa nova perspectiva, relevada anteriormente, baseia-se no modo próprio de ser do humano, abandonando o registro psico-epistemológico para a questão ontológica central do filosofar. O questionamento da existência e de sua temporalidade demonstrava um contraste ao modo diltheyniano, já que se esquecia o modelo objetivista e abraçava-se a ontológica. Fazendo assim referência a ideia já citada do circulo hermenêutico.
É neste novo contexto
marcado pelo primado da questão ontológica da temporalidade do existir que se
situa H.-G.Gadamer com a sua conhecida obra Verdade e Método. Elementos de
uma Hermenêutica Filosófica. Assumindo como decisiva a herança de Heidegger,
com quem diz ter aprendido o essencial, o filósofo de Heidelberg
retoma a problemática hermenêutica das ciências do espírito,
interrogando-se sobre as conseqüências que decorrem para esta temática do fato
de Heidegger ter derivado a estrutura de antecipação da compreensão da
temporalidade do existir. O objetivo é mostrar que à Hermenêutica não
interessam tanto os métodos ou os princípios interpretativos que intervêm no
mundo do espírito mas fundamentalmente esclarecer o fenômeno ontológico
da compreensão que caracteriza, desde Ser e Tempo, o modo de ser do
existir. De acordo com Gadamer, a Hermenêutica de Dilthey pressupunha já algo
que este autor não soube tratar e que hoje, depois de Heidegger, se revela como
o verdadeiro núcleo suscitador de toda a compreensão.
Portanto "Verdade
e Método" fala-nos de um acontecer da verdade no qual já sempre estamos
embarcados pela tradição. Gadamer vê a possibilidade de explicitar fenomenologicamente
esse acontecer em três esferas da tradição: o acontecer na obra de arte, o
acontecer na história e o acontecer na linguagem. A hermenêutica que cuida
dessa verdade não se submete a regras metódicas das ciências humanas, por isso
ela é chamada de hermenêutica filosófica. É desse modo que Gadamer inaugura um
lugar para a atividade da razão, fora das disciplinas da filosofia clássica e
num contexto em que a metafísica foi superada.
Mas, apesar de a
hermenêutica filosófica desenvolver-se numa perspectiva crítica da metafísica,
ela apresenta uma pretensão de universalidade. Porém tal universalidade assume
uma forma não dogmática, restando-lhe, portanto, uma universalidade que se move
muito próxima da universalidade da crítica. Jürgen Habermas foi um dos
primeiros a serem ' tocados pela pretensão de universalidade da hermenêutica.
Ele reconhece-lhe assim
algumas características importantes: a) a hermenêutica é capaz de descrever as
estruturas da reconstituição da comunicação perturbada; b) a hermenêutica está
necessariamente referida à práxis; c) a hermenêutica destrói a auto-suficiência
das ciências do espírito assim como em geral elas se apresentam; d) a
hermenêutica tem importância para as ciências sociais, na medida em que
demonstra que o do- mínio objetivo delas está pré-estruturado pela tradição e
que elas mesmas, bem como o sujeito que compreende, têm seu lugar histórico
determinado; e) a consciência hermenêutica atinge, fere e revela os limites da
auto-suficiência das ciências naturais, ainda que não possa questionar a
metodologia de que elas fazem uso; f) finalmente, hoje uma esfera de
interpretação alcançou atualidade social e exige, como nenhuma outra, a
consciência hermenêutica, a saber, a tradução de informações científicas
relevantes para a linguagem do mundo da vida social.
Ainda que as
observações de Habermas reconheçam aspectos da universalidade da hermenêutica
filosófica, ele o faz, em contraste, com a pretensão de universalidade da
crítica com a qual ele pretende atingir campos onde a hermenêutica filosófica
não saberia trabalhar. Não é só por parte de Habermas que se ouvem essas
críticas à hermenêutica filosófica, ela também é objeto de crítica da filosofia
analítica. Esta vê na historicidade da linguagem e na pré-compreensão como
condição de todo- discurso uma falta de recursos para examinar pretensões de
validade dos textos que são interpretados ("Tugendhat").
Na medida em que a
hermenêutica filosófica trabalha com o sentido, a analítica reduz a linguagem à
unidade mínima que é o significado. Mas espíritos mais conciliadores se
contentam em afirmar que a hermenêutica sem a filosofia analítica é cega e a
filosofia analítica sem a hermenêutica é vazia.
Virada hermenêutica
Gadamer nos deu, com sua hermenêutica filosófica, uma lição nova e definitiva:
uma coisa é estabelecer uma práxis de interpretação opaca como princípio, e
outra coisa bem diferente é inserir a interpretação num contexto - ou de
caráter existencial, ou com as características do acontecer da tradição na
história do ser - em que interpretar permite ser compreendido progressivamente
como uma auto-compreensão de quem interpreta. E, de outro lado, a hermenêutica
filosófica nos ensina que o ser não pode ser compreendido em sua totalidade,
não podendo assim, haver uma pretensão de totalidade da interpretação.
A universalidade da consciência hermenêutica é compreendida por
Gadamer em sua crítica tanto à consciência histórica, onde se aborda a
interpretação da história, quanto à consciência estética. Considerando o
problema hermenêutico um problema humano mais do que meramente disciplinar,
Gadamer problematiza o conceito de congenialidade presente na tradição
romântica onde a tarefa do hermeneuta se centraria na repetição produtiva do
ato originário da produção de um autor. Na própria interpretação do texto dos
evangelistas, esse procedimento já parece-lhe insuficiente já que o ato
originário não pode ser tomado isoladamente: uma vez que a mensagem cristã é
global, o sentido do texto só pode ser compreendido a partir do conjunto de
textos e não apenas de um único particular (novamente aqui retorna a frase como
sendo a unidade primária da interpretação).
No campo da
história, Gadamer retoma Hegel e sua definição da grande personalidade
histórica como aquela que encontra a tendência universal de uma época. Essa
experiência global da história, contudo, é uma exceção própria do herói pois o
que marca a experiência da história feita pelos "não heróis" que
somos todos nós, e inclusive o historiador, é a contingência e a particularidade,
ou seja, uma genealogia diversa e de impossível congenialidade com aquela do
herói. Além disso, a entropatia romântica é vedada pelo próprio fato do
destinatário da ação heroica ser os homens contemporâneos a ela e não o
historiador enquanto "diretor do espetáculo da História". Enfim,
analisando a Arte, Gadamer coloca a impossibilidade de realização da
congenialidade a partir do próprio conceito do gênio criador e inimitável
desenvolvido desde o Renascimento e formulado por Kant. Por conseqüência, o intérprete
não pode nunca reproduzir e reinterpretar a produção original e o ato da
produção. É uma ficção pretender esgotar e encontrar o horizonte autêntico de
um poeta pois se coloca sempre uma distância entre nós e a produção.
O objeto a
ser compreendido - texto, evento histórico, objeto artístico ou arquitetônico -
oferece-se sempre dentro de uma infinita opacidade e só pode ser apreendido de
forma parcial e inesgotável. Esse é o estatuto conferido pela linguagem com a
qual ele é transferido e esse é o luto do saber absoluto, tumba sobre a qual
floresce a hermenêutica. Tal humanidade da condição do hermeneuta exige que ele
situe sempre o ponto de visada no qual ele apreende o objeto e explique o
espaço interpretativo a partir do qual se esclarecem as forças
pré-compreensivas que orientam a sua interpretação. Tal como a tradição
romântica, o historicismo - seja fatual no campo da história, seja museológico
no campo da arte - tem bloqueado essa expansão da hermenêutica produzindo uma
espécie de alienação diante da vida: a primeira clareira - para usarmos
um termo heideggeriano, na qual se compreende o texto, o acontecimento
histórico ou a obra de arte - não é dada, portanto, a partir do objetivismo da
pesquisa linguística, histórica ou estética empreendida sobre o objeto. Na
interpretação dele ocorre sempre uma intermediação entre a língua do texto e
nossa visão do mundo. Por isso a tradução é um exemplo privilegiado por Gadamer,
pois ela só pode se iniciar após a compreensão. Sendo assim, a questão da
hermenêutica não pode ser considerada apenas como uma questão de método ou
técnica propedêutica, pois exige uma compreensão da situação do homem, do Dasein
a perspectivar em sua finitude a infinitude do mundo como linguagem.
A
universalidade da hermenêutica repousa justamente nessa finitude em que repousa
nossos gestos interpretativos. Mesmo que se insista em manter reservado às
ciências da natureza um ideal de verificabilidade a presidir a investigação
científica, a realidade da experiência humana exige das ciências humanas um
ideal maior que a expansão da hermenêutica poderia providenciar na medida em
que nela o saber integrar-se-ia às nossas situações pessoais e conquistaria uma
universalidade maior do que aquela que é própria das ciências naturais. Ao
contrário da linguagem matemática que naquela formulação preside o conhecimento
das ciências da natureza, na linguagem humana (do texto, da história, da obra,
do discurso e do saber) o sentido se instaura na dimensão do vivido e na
fundação da experiência humana, na imediaticidade, parcialidade e pessoalidade
do nosso contato com o mundo. Interpretar textos é, portanto, mais que uma
técnica propedêutica, uma tarefa filosófica onde co-nascem, a cada dia e
em uma espiral inesgotável, o texto e o intérprete.
A compreensão por sua
vez não pode está apenas ligada a ação da subjetividade, mas como parte
integrante e essencial ao próprio acontecer da linguagem ou transmissão, a
hermenêutica agora é a da diálogo implicado,
suscitado pelo modo como as questões do texto põem em jogo os pressupostos e
motivações de cada intérprete. A tradição é importante mas não deve impedir a
suscitação de novas questões e problemas levantados pela expressão humana. A
compreensão busca uma lógica dialética a que o autor chama apropriação ou
aplicação. Interpretar não é agora reconstruir ou coincidir, chegar apenas à
dimensão cognitiva do dito, como pensava a hermenêutica romântica, mas
compreender-se à luz do texto, isto é, traduzir para o horizonte do presente o
sentido das suas questões e responder-lhes com os conceitos do presente. Só
interpretamos um texto ou obra de arte se ele ainda nos diz algo hoje, isto é,
se ajuda a configuração do nosso próprio presente. De outro modo nem
sequer o interpretamos. Na raiz da compreensão hermenêutica está uma exigência
ético-praxística de autocompreensão suscitada pelo facto de se ser um ser
finito, de se existir a partir de tradições e, ainda, pelo facto de o ser
humano ser uma perguntabilidade fundamental. Tal é a grande novidade da
hermenêutica de H.-G. Gadamer, cujos temas centrais são os conceitos de efeito
histórico, preconceito, fusão de horizontes, diálogo e jogo.
Com P.
Ricoeur, a Hermenêutica entra numa nova fase, mais crítica, dada a
importância que este autor atribui ao fenômeno da linguagem e ao seu tratamento
específico pelas chamadas ciências da linguagem. Herdeiro da
mudança introduzida por Heidegger e Gadamer, Ricoeur propõe à
hermenêutica tradicional - que considera partir de uma atitude de confiança,
ainda não fundada - uma via longa, isto é, todo o chamado desvio pelos
signos em que se manifesta o ato característico de existir ou compreensão.
Segundo
Gadamer, as nossas reflexões são orientadas pela ideia de que a linguagem é um
meio em que se reúnem o eu e o mundo, ou melhor, ou que ambos aparecem em sua
unidade originaria. Ele elaborou também um modo também como esse modo
especulativo da linguagem se apresentou como um acontecer finito, frente a
mediação dialética do conceito.
REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA
GADAMER, Hans-georg 1900-2002 – Verdade e Método; tradução de Flávio Paulo Meurer – 8ª ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2007.
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe – Hermenêutica e argumentação: Uma contribuição ao estudo do Direito – 2ª ed. – Rio de Janeiro, Renovar, 2001.
FRANÇA, R. Limongi – Hermenêutica jurídica – 7ª ed. – São Paulo, Saraiva, 1999.
FRIEDI, Reis – Ciência do Direito, norma, interpretação e hermenêutica jurídica. – 4ª ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
Foco Filosofia: disponível em http://focofilo.blogspot.com/2007/05/conscincia-da-histria-gadamer-e.html,
acessado em
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