CAPÍTULO 1: O DRAMA
No início do
capítulo 1, intitulado de O DRAMA, o autor fala numa espécie de “teatrocracia”,
que seria uma ação incutida nos bastidores da sociedade e das disposições do
poder – o poder político. Esta forma de agir relacionando sociedade e poder
impõe aos atores políticos, segundo o texto, uma obrigação quanto ao seguimento
de suas regras.
Essas ações
da “teatrocracia” envolvem sociedade, teorias, drama e atores envolvidos neste
drama social.
A partir
destas considerações o autor começa e elencar uma série de fatos, até
mitológicos para justificar a verdade do poder, onde, muitas vezes, o
fundamento das grandes mitologias incide mais sobre as relações de poder do que
mesmo a própria contribuição científica. Cita inicialmente o célebre escritor
Maquiavel, que chega a comparar o príncipe com o demiurgo aristotélico, conferindo a ele um caráter divino e
totalmente simbólico, isto para demonstrar que a sociedade não precisa estar
envolvida em todas as tomadas de decisão por parte do poder político, mas sim,
é preciso que ocorra uma ilusão de ótica, e esta é conferida por meio dos atos
simbólicos e típicos do imaginário. Cita também exemplo ocorrido em Florença,
onde o império do florentino fora
colocado sob a égide de Cristo, num extremo jogo do imaginário, do ideológico,
do ilusório, respaldados por uma oratória do convencimento. Em síntese, nesses
termos, “o grande actor político comando o real pelo imaginário (...) o
imaginário clássico projecta sobre a cena onde se cumpre o drama lírico as
representações duma ordem onde tudo se põe de acordo. Dela produz a ilusão e,
assim sendo, o justifica” (BALANDIER, p. 21).
Está presente
em sociedade e em diferentes momentos históricos, certo acervo, uma reserva, de
imagens, de símbolos, de modelos de agir e que são empregados pelos ocupantes
do poder, a depender de suas necessidades, sejam individuais ou coletivamente
orientadas restritivamente. Segundo o texto, esse herói político, tem como
maior aliado sua capacidade de dramatização, é ela quem vai possibilitar-lhe o
engendramento das relações de poder a seu favor, sendo ele reconhecido
exatamente por essa sua força e capacidade de convencimento, de oratória, de
justificar suas ações por meio dos elementos simbólicos, a que se apega.
Na
contemporaneidade, este articulador sábio do imaginário com a sociedade muda de
figura, assegura o autor, tornando-se mais perspicaz no uso dos elementos
típicos do conhecimento científico, afinal a modernidade exige mais criticidade
e menos ignorância, escuridão. Este aparece como aquele capaz de iluminar o
presente com promessas futuras. Mesmo porque nesses termos, a democracia não
permite que o governo seja aclamado somente por via do divino, por exemplo, mas
deve ser, primeiramente, uma resposta da vontade da maioria. Torna-se
necessário, portanto, usar-se da “arte da persuasão, do debate, a capacidade de
criar os efeitos que favoreçam a identificação do representado com o
representante (...) a eleição é o grande drama em cena” (BALANDIER, p. 23).
Também os tempos modernos trouxeram outros meios de implementar melhor a
presença do poder sobre os súditos, são os “os meios dos média, da propaganda e
das sondagens políticas, reforçando a produção das aparências, ligando o
destino das pessoas de poder à qualidade de sua imagem pública tanto quanto às
suas obras” (BALANDIER, p. 23). Independentemente de se estar usando os
recursos modernos ou os mais tradicionais, trata-se, sempre, de difundir e
incutir um imaginário “oficial”, que obscurece a verdade das coisas, mascarando
a realidade e metamorfoseando a sociedade, portanto, “transforma todo um povo
numa multidão de figurantes fascinados pelo drama em que o mestre absoluto do
poder os enreda” (BALANDIER, p. 23). Logo, nestes termos, o Estado, o centro e
difusor de poder, faz com que se pense e se aja segundo suas diretrizes, uma
vez que elas estão sendo, dia a dia sendo inseridas na mente de cada ente
individual, criando um coletivo alienado. Também a conjuntura é fator decisivo num maior
ou menor índice de dramatização do poder sobre a sociedade, isto é, maior ou
menor influência nefasta.
Essa
influência do simbólico, do imaginário, segrega, hierarquiza, moraliza e
instala-se na sociedade em níveis desiguais, a depender do grau de instrução
desta sociedade, ou mesmo da capacidade de se impor e se usar desses elementos
alienantes que venha a ter o representante do poder.
O poder
simbólico, mesmo sendo excepcionalmente ideológico, imaterial, usa-se de
elementos tipicamente apreendidos materialmente, como comemorações,
manifestações, execuções; mas principalmente ele se situa num local, num espaço
de demonstração de poder e fausto, tais são os exemplos citados pelo autor: o
Palácio de Versalhes, para Luis XIV e os franceses da época; Brasília, a
capital construída no Brasil, pólo irradiador do poder político; a cidade de
Roma e sua fiel associação com poder religioso, etc. em todos esses contextos o
poder regula através de uma expressão espacial e o poder é, muitas vezes, sagrado
e “visa o efeito mais do que a informação, procuram a influência durável sobre
os súditos” (BALANDIER, p. 28).
De todos os
exemplos e situações, é apontada como grande ferramenta a palavra, porque ela expressa força e efeitos, cria ilusões na
realidade palpável forjando a realização da ideia pensada e difundida. As
palavras também excluem, primeiramente porque há a palavra do governante e as
menos importantes palavras dos governados. “Nas sociedades modernas ditas do
espetáculo, o contraste acentua-se muitas vezes entre as manifestações públicas
do poder, a aparição, a aparência, o barulho feito na periferia, e o silêncio
do centro onde se situa o governo” (BALANDIER, p. 30).
Ressalta-se
que as sociedades modernas mudaram o modo de representação, submetendo-se aos
efeitos da secularização; nestes termos, aquele que quer se apoderar do poder
deve ter uma capacidade de conquista, de tornar-se figura pública e ganhar uma
dimensão nacional, por exemplo. Mesmo porque, na modernidade, com a separação
definitiva entre Estado e Igreja, o imaginário sacralizado é menos eficaz, o
que não quer dizer que não seja praticado. É que, a mudança dos temas e dos
símbolos acompanha o desenrolar da história, permutando entre religiosos,
artísticos, estéticos, locais (estratégicos), etc.
CAPÍTULO 2: A DESORDEM
Neste
capítulo o autor vai expressar especialmente as considerações a respeito do
ridículo dentro das relações sociais, usando-se sempre como exemplos a
existência do Bobo da Corte. Diz, inicialmente que, a “ordem social distingue,
classifica, hierarquiza, traça limites defendidos pelos interditos” (BALANDIER,
p. 43).
Quanto ao
ridículo, a reação a ele vai depender da sociedade, mas pode trafegar entre o
ostracismo, a humilhação pública ou a vergonha suicida, ou o retorno ao pecado.
O medo de estar exposto ao ridículo faz com que as pessoas se alinhem,
tornando-se uma vítima do poder, porém fiel ao ataque do simbolismo incutido
socialmente.
O Bobo da
Corte é aquele que pode expor as verdades da sociedade, seus ataques tímidos
contra o poder, sem o ser punido ou mesmo levado a sério. Quanto a sua presença
na história, o autor assegura que sua figura “ocupa uma posição central tanto
nos mitos popularizados pelas literaturas orais como naqueles que comandam o
sagrado e as práticas rituais” (BALANDIER, p. 47). O Bobo está associado ao
“movimento, aos desequilíbrios, aos acidentes; ele impõe a sua indisciplina
divina à ‘disciplina’ da ordem social e universal” (BALANDIER, p. 48).
O
interessante é que, o ataque – verbal ou atitudinal – proferido pelo Bobo da
Corte, ou Trapaceiro, não respeita nada nem a ninguém, fere tanto ao poderoso
quanto aquele que é dominado, porque sempre tem um objeto [social] a ser
trabalhado. Seu ataque, historicamente e espacialmente localizado, está relacionado
à questão do poder, também à sexualidade e ao sagrado, assim as sutilezas da
sorte. Trata-se, portanto, se parodiar com esses conceitos porque eles estão
sempre presentes nas relações sociais; é “o sagrado que oprime, o sexo que
alimenta as suas pulsões, a sorte que produz e a incerteza e os riscos” (BALANDIER,
p. 50).
É por estar
na sociedade, mas também permeando sempre as relações de poder, muitas vezes na
companhia direta dos lideres dos Estados; e por seu caráter de louco e pela
simbologia que desperta, que o Bobo transita com liberdade absoluta entre o
mundo real e a expulsão das palavras da forma que mais exagerada possam criar
uma situação de troça no meio que se expressa; assim podendo romper com tabus,
com disciplinas, com modelos de alienação e apatia social e despertando tanto o
respeito, a reverência, a afeição, quanto o ódio e o medo. Sua presença
encontra-se nas histórias populares tradicionais, nos reinos antigos e seus
relatos, na literatura em si, na pintura, nas cenas folclóricas, etc. Assegura
o autor que, “sua transgressão permanece limitada pelo ritual, não se confunde
jamais com a transgressão a orgia” (BALANDIER, p. 52). No geral “ele mostra
aquilo a que ficaria sujeita uma sociedade onde as normas, as proibições, os
códigos se dissolvessem: em uma regressão até ao estado selvagem que ele mina
em alguns dos seus exageros, a um abandono” (...) (BALANDIER, p. 53).
Situando-o
historicamente observamos que na Antiguidade ele era mantido nas casas dos
poderosos e ricos a fim de fazê-los rir durante as refeições, relacionado à
arte do divertimento; já na Idade Média passa a ocupar papel importante junto
aos príncipes e reis, ocupando, inclusive, uma posição político-institucional; somente
no século XIV ele assume posição semelhante a um funcionário
institucionalizado, sendo incluído no orçamento do Rei. O último a exercer esta
função foi Angely, junto a corte de Luís XIII e depois Luís XIV, tratava-se do
último a exercer esta função de Bobo particular do Rei; posteriormente este
cargo foi extinto definitivamente.
O Bobo serve
para mostrar que o poder dos governantes não é estruturado somente segundo
convenções, mas também que as coisas aparentes e parodiadas estão presentes no
governo, fazendo parte dele e exercendo alguma ação sobre a sociedade.
Socialmente
falando, isto é, voltando-nos para a vida de um cidadão, se este é tido como
desviante ou capaz de pôr o governo em dúvida, é tornado Bobo, sendo este
predicado o mais terrível possível, tornando-o ridicularizado e publicamente depreciado,
jogado para o âmbito da loucura, devendo ser tratado psicologicamente; trata-se
do ritual dramático de segregação, uma dramatização que exclui, separa,
esconde. Isto porque, nas sociedades modernas, pratica-se implicitamente por
causa do simbolismo, um totalitarismo exacerbado, levando o desviante a um
normalismo e a um conformismo tendenciado e proibitivo, tirando o dito louco de
seu contexto social e levando-o a casas ditas de recuperação, destroçando seu
habitat social e sua personalidade. Desta forma permanece uma ideia de
separação, ainda, porque se desconsidera a totalidade, a realidade social e
individualizam-se as ações e as pessoas e “as aparências que emergem do
imaginário colectivo podem, destruir as que são produzidas pela sociedade convertendo,
assim, as ilusões que mascaram a realidade em verdades expostas sob o modo
ilusório, através de metáforas, figuras e alegorias, fantasmagorias” (BALANDIER,
p. 59).
Recentemente
meios modernos invocam uma espécie de prática semelhante àquela feita pelos
Bobos de Corte, tais como o cinema, através de alguns filmes, também alguns
partidos quando baralham, desvendam, dramatizam e perturbam os eventos
promovidos pelo poder local. São ações como estas que criam a possibilidade de
questionar a dita ordem, mostrando que a, implícita, uma grande desordem,
marcado pela existência de um conformismo e da não mudança.
Por fim,
percebemos que são fases históricas que trazem consigo personagens, movimentos,
formas de poder, modos de receber esse poder e suas ações, muitas vezes
autoritárias, pouco democráticas; são influências sobre os homens (cidadãos)
das mais diversas vertentes: religião, filosofia, ciência, artes, etc. todas
elas situadas e influenciadas pela história dinâmica, predominante na vida
social.
JaloNunes.
BIBLIOGRAFIA:
BALANDIER, Georges. O Poder em cena. Coleção Comunicação.