ANTUNES,
Caio. A educação em Mészáros: trabalho,
alienação e emancipação. Campinas, SP: Autores Associados, 2012. (Coleção
educação contemporânea).
INTRODUÇÃO
“Istvan
Mészáros nasceu em Budapeste, Hungria, no dia 19 de dezembro de 1930. Os
primeiros anos de sua vida foram muito difíceis, ao coincidirem, por outro
lado, com a grande crise de 1929-1930 e suas consequências, e, por outro, com
anos anteriores à Segunda Guerra Mundial” (ANTUNES, 2012, p. 1).
“Autor
de vasta obra e lido em vários países, István Meszáros vive hoje
na Inglaterra, encontra-se em plena
atividade intelectual e desenvolve intensa militância em diversos países do
mundo, sobretudo na América Latina – com especial destaque para Brasil e
Venezuela” (ANTUNES, 2012, p. 2).
“Ainda
assim, Mészáros pode ser considerado um autor relativamente pouco conhecido da
pesquisa educacional brasileira. No entanto, não se trata de um ‘ilustre
desconhecido’, muito até ao contrário disso, uma vez que seu A educação para além do capital (2005)
tornou-se muito rapidamente um clássico do pensamento educacional emancipatório
no Brasil (e no mundo)” (ANTUNES, 2012, p. 2).
“No
interior do marxismo, Mészáros filia-se à tradição do pensamento iniciada por
Lukács – de quem foi, aliás, além de aluno e assistente, amigo próximo -,
especialmente nas concepções lukacsianas da estética
e da ontologia. Seu pensamento
muito tem contribuído para o avanço e a atualização da filosofia e das ciências
sociais, por meio da formulação de um fecundo, crítico e original conjunto de categorias
analíticas” (ANTUNES, 2012, p. 2).
“Crise estrutural do capital significa,
portanto, que, pela primeira vez na história, o sistema sociometabólico vigente
‘confronta-se globalmente com seus próprios problemas’ (...), e que qualquer tentativa de resolução de tais
problemas dentro dos limites do capital aproxima
a humanidade de sua real possibilidade de destruição, tanto no plano ecológico quanto
no plano militar” (ANTUNES, 2012, p. 4).
“Com
base, então, na noção de trabalho, conforme formulada por Marx em seus Manuscritos econômico-filosóficos,
Mészáros desenvolve sua teoria da
alienação, no interior da qual aponta e discute as profundas imbricações e
desdobramentos da forma alienada de atividade vital humana às mais variadas
esferas da vida cotidiana dos seres, desde os aspectos econômicos até os
políticos, dos aspectos morais aos estéticos, que, obviamente, afetam
profundamente todo o processo de constituição, formação, de educação dos seres humanos. Essas
formulações são desenvolvidas por Mészáros em seu A Teoria da Alienação em Marx (2006ª) e deve-se a isso o fato de
essa obra ocupar lugar central em nossas análises” (ANTUNES, 2012, p. 6).
“Talvez
por conta disso, a possível contribuição deste trabalho esteja em aproximar de
professores e professoras, pesquisadores e pesquisadoras do campo da educação a
grande – grandiosa – propositura emancipatória que permeia a obra – e a vida –
de István Mészáros” (ANTUNES, 2012, p. 8).
Capítulo 1: Trabalho, alienação e
educação
1
– O trabalho como elemento fundante do ser humano
“Dizer
que o ser humano precisa produzir
para se manter (alimentar-se, vestir-se, habitar, enfim, manter-se vivo, reproduzir-se) significa afirmar que a atividade produtiva constitui algo ineliminável do próprio processo de manutenção da humanidade. Dito
de ouro modo: a atividade produtiva é o fator
absoluto de todo o processo de produção e reprodução da vida humana –
‘absoluto porque o modo de existência humano é inconcebível sem as
transformações da natureza, realizadas pela atividade produtiva’” (ANTUNES,
2012, p. 10).
“Consequentemente,
o ser natural humano tem de fazer
adequados, isto é, humanos, os
objetos de suas necessidades, tem de transformar
a natureza por meio de sua atividade
produtiva, tem de humanizá-la por
meio de seu trabalho (...)”(ANTUNES, 2012, p. 11).
“Isto
que Marx chama de natureza como’ corpo inorgânico’ do ser humano, muito além de
significar somente aquilo que é
imediatamente dado pela natureza, significa algo inerentemente histórico e
material: isto é, a capacidade humana de fazer da ‘natureza inteira o seu corpo
inorgânico’ – ou, conforme a explicação Mészáros (2003ª, p. 80), o ‘corpo
inorgânico’ do ser humano é a ‘natureza trabalhada’ e a capacidade produtiva
externalizada, ou, ‘a expressão concreta e a materialização de uma fase e uma
estrutura historicamente dadas da atividade produtiva, na forma de seus
produtos, dos bens materiais às obras de arte” (ANTUNES, 2012, p. 11).
“Entretanto,
mesmo e por mais que deixe de ser imediatamente um ser natural, ‘o ser social –
em seu conjunto e em cada um de seus processos singulares – pressupõe o ser da
natureza inorgânica e orgânica’ (LUKACS, 1979, p. 17), o que significa que ‘não
se pode considerar o ser social como independente do ser da natureza, como
antíteses que se excluem” (ANTUNES, 2012, p. 12).
“É
exatamente o trabalho esse poder
humano por excelência – ‘poderes essenciais do homem são as características e
poderes específicos humanos, isto é, aqueles que distinguem o homem das outras
partes da natureza’” (ANTUNES, 2012, p. 12).
“Findo
então esse processo, o ser humano se depara com algo não mais imediatamente
dado pela natureza, mas algo transformado pelo trabalho, algo humanizado. Ou seja: no final do
processo de trabalho, o trabalhador se defronta com o resultado de sua ação; com a natureza feita humana; consigo próprio na forma de objeto; com
sua subjetividade objetivada” (ANTUNES,
2012, p. 14).
“Se,
então, as generalizações feitas a partir das experiências do trabalho trazem em
si a gênese da ciência, ou, ainda, se ‘a estrutura da produção científica é
basicamente a mesma da atividade produtiva fundamental em geral (principalmente
porque as duas se fundem em grande medida)’, o que não é outra coisa senão
afirmar que ‘as atividades e necessidades humanas de tipo ‘espiritual’ têm,
assim, sua base ontológica última na esfera da produção material como
expressões específicas de intercâmbio entre o ser humano e a natureza, mediado
de formas e maneiras complexas’, é exatamente o acúmulo sócio-histórico dos
avanços do trabalho, tanto em suas formas imediatamente materiais quanto nas
mais complexas e abstratas manifestações espirituais
– da arte à filosofia – que constitui o cerne de todo o processo formativo,
educacional da humanidade” (ANTUNES, 2012, p. 16).
“Entretanto,
do ponto de vista histórico, também não é possível conceber trabalho sem educação, pois, como bem
sabemos, ‘os homens fazem sua própria história; contudo, não a fazem de livre e
espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sob as
quais ela é feita, mas estas lhe foram transmitidas
assim como se encontram’” (ANTUNES, 2012, p. 17).
“Inicialmente,
a relação do homem com a natureza – que é mediada pelo trabalho – é sim a
relação da natureza consigo própria, ou aquilo que Marx chama, de modo bastante
obscuro, aliás, de ‘o ser-por-si-mesmo da natureza’. Todavia, recordemo-nos
aqui que o ser humano não é apenas um ser natural, mas ser natural humano – isto é, histórico, social. Isso
implica que ele é sim ‘uma parte da natureza’, mas é dela uma parte específica, cuja especificidade é dada
exatamente pelo trabalho” (ANTUNES, 2012, p. 18).
“Esse
‘salto ontológico’ deve-se, então, exatamente a esse caráter ‘transicional’ do
trabalho – isto é, ao fato de ser o trabalho uma categoria intermediária entre o ser biológico e o ser social. O que
não é outra coisa senão que o trabalho é o elemento ontologicamente fundante do
ser humano – ou social – ou a ‘base
dinâmico-estruturante de um novo tipo de ser’, e que, precisamente por conta
disso, converte-se, conforme outra bela síntese lukacsiana ‘em modelo de toda
práxis social’” (ANTUNES, 2012, p. 20).
“Em
síntese, então, temos que pelo ato de trabalho o ser humano se humaniza; ou
seja, a natureza (ou uma parte específica
dela) transcende a si própria por meio do ato laborativo. Essa realização
humana é aquilo que Marx chama de – também de modo bastante obscuro – ‘o movimento concebido e sabido do seu vir a
ser’, ou ‘ato de gênese que se suprassume, e que Mészáros chama – de modo
não menos obscuro – de ‘autoconstituição automediadoramente natural’ ou
‘naturalmente automediadora’ do homem” (ANTUNES, 2012, p. 21).
“Assim
o trabalho, o mediador da relação entre ser humano e natureza, tanto em seu
aspecto estrutural quanto em suas formas históricas, tanto como elemento
fundante quanto como processo de continuidade e complexificação, tanto em sua
profundidade analítica quanto em suas manifestações práticas, numa palavra, o
trabalho em seu sentido ontológico, é
aquilo que Mészáros chama de conjunto ou sistema de mediações primárias ou mediações
de primeira ordem” (ANTUNES, 2012, p. 25).
“Somente
a partir de uma apreensão amplo do trabalho é que se pode compreender as razões
pelas quais este configura tanto a causa, quanto o meio e o fim do processo
histórico-social do ser humano – causa
da diferenciação entre ser humano e natureza, meio de constante humanização do ser social e fim, ou finalidade em si do próprio processo humano, uma vez que o
ser social, em virtude do longo processo histórico já trilhado, não mais produz
para assegurar sua condição animal, mas sim para, uma vez assegurada essa
sobrevivência, desenvolver-se livre, isto é, humanamente” (ANTUNES, 2012, p. 25).
“Essa
é a razão pela qual o trabalho é tanto
o ponto de partida quanto o ponto de
chegada da concepção de educação em Mészáros – na verdade de sua concepção como
um todo -, pois se o trabalho é exatamente aquilo que garante a reprodução
social diária e imediata, é também aquilo que torna possível ao ser humano, ao
conjunto dos seres humanos, a partir de assegurada a supressão das carências e
necessidades básicas, dedicar-se a atividades que possibilitem uma existência
cada vez mais plena, cada vez mais humana” (ANTUNES, 2012, p. 25).
“Se,
por um lado, é o acúmulo sócio-histórico das realizações e aquisições dos
processos de trabalho que constitui o cerne de todo o processo formativo humano
– o que significa que cada nova geração não precisa redescobrir o fogo, ou
reinventar a roda – por outro, é exatamente esse processo formativo,
educacional, que torna possível que os seres humanos possam conduzir sua
existência de modo cada vez mais humano, pelo menos potencialmente” (ANTUNES,
2012, p. 25).
“Assim,
o conceito de alienação é
absolutamente crucial para a compreensão da concepção de educação em Mészáros, em vista do fato de, por um lado, ser a
superação da alienação do trabalho uma condição sine qua non do processo de emancipação humana; e de, por outro, este
processo de superação ser caracterizado como ‘uma tarefa inevitavelmente
educacional’” (ANTUNES, 2012, p. 27).
2 – A teoria da alienação de Marx
na acepção de Mészáros
“Agora,
se ao final do processo de trabalho o obejeto produzido não mais pertence ao
ser humano que o produziu, que o objetivou, isto é, dele se aliena, pertence a um outro ser humano, isto decorre de
características específicas da forma
como se organiza e se realiza o trabalho num dado momento histórico, e não se uma suposta condição absoluta – natural ou
divina – do processo de trabalho em si.
Sob o capital, ‘os valores-de-uso são, ao mesmo tempo, os veículos materiais do
valor-de-troca’” (ANTUNES, 2012, p. 29).
“Se
alienação é, então, uma característica histórica do processo de trabalho, ou
para ser um pouco mais preciso, da forma como se organiza o trabalho num dado momento histórico, tem-se então que
alienação é um conceito, em si, inerentemente histórico. Em razão disso, ‘alienação é um conceito inerentemente
dinâmico: um conceito que necessariamente implica mudança’, tendo, por isso de
ser explicado nos seguintes termos: ‘se o homem é alienado, ele deve ser
alienado com relação a alguma coisa,
como resultado de certas causas – o
jogo mútuo dos acontecimentos e circunstâncias em relação ao homem como sujeito
dessa alienação – que se manifestam num contexto histórico’” (ANTUNES, 2012, p. 29).
“Então,
toda e qualquer tentativa de compreensão da problemática da alienação deve
partir da constatação prática de que, por um lado, todo processo histórico está
necessariamente sujeito a transformações, tanto fenomênicas quanto estruturais
– e nem por isso mais perceptíveis -, que diretamente influem sobre toda a
apreensão do complexo analisado. Por outro, se a alienação é algo que se dirige
ao trabalho – e este configura o ‘modelo de toda práxis social’, ‘base
dinâmico-estruturante de um novo tipo de ser’ – logo, a alienação afeta, em
maior ou menor grau, todas as esferas da vida cotidiana dos seres humanos,
desde seus aspectos mais coletivos até os mais privados” (ANTUNES, 2012, p. 29).
“De
início, então, a alienação deve ser entendida como tudo aquilo que historicamente obstaculiza a relação de
mediação direta que se estabelece entre ser humano e natureza, como tudo aquilo
que se interpõe nesta relação” (ANTUNES,
2012, p. 30).
“Assim,
se o ‘objeto (Gegenstand) que o
trabalho produz, o seu produto, se lhe defronta como um ser estranho, como um poder
independente do produtor’ – o que significa, além e por conta do caráter
alienado da relação que aí se estabelece, que o trabalhador não se reconhece
naquilo que é o objeto do seu trabalho -, isso decorre do fato de o ser humano
já não se reconhecer no ato mesmo da produção” (ANTUNES, 2012, p. 32).
O
primeiro aspecto é que “(...) o ser humano é alienado de seu ser genérico, o
que significa que ele não se reconhece como membro de uma espécie, uma vez que
ele não se reconhece em seu trabalho, exatamente naquilo que faz dele um ser humano e,
portanto, o distingue de outras espécies de animais” (ANTUNES, 2012, p. 32).
“O
segundo aspecto é que o ser humano é alienado dos outros seres humanos, pois ao
relacionar-se de forma alienada com o resultado de seu trabalho, ele
relaciona-se com o produto do seu trabalho (ou seja, relaciona-se consigo
próprio na forma de um objeto) como com um outro ser humano diferente dele,
hostil a ele” (ANTUNES, 2012, p. 33).
“Assim,
‘o ponto de convergência dos aspectos heterogênios da alienação é a noção de
trabalho. Dito de modo inverso: a alienação do trabalho é ‘a raiz causal de
todo o complexo de alienações’, ‘a causa última de todas as formas de
alienação’ – causa daquilo que Marx chama de ‘estranhamento-de-si humano’ e que
Mészáros chama ‘autoalienação humana’” (ANTUNES, 2012, p. 34).
“Isso
traz à tona o fato de que o capital, para
existir, necessita de algo além de si próprio e a si subordinado: para existir, o capital necessita do trabalho, da classe trabalhadora” (ANTUNES, 2012, p. 42).
“Se
desdobrarmos a questão para a educação, a resposta varia em termos
epistemológicos, mas, ontologicamente, a resposta se mantém. Ou seja: se a
dominação do capital configura a universalização
de uma parcialidade de classe, e se ‘as determinações gerais do capital
afetem profundamente cada âmbito
particular com alguma influência na educação’, o projeto burguês de
educação, com seu mecanismo formativo, não poderia ter outro objetivo senão o
da própria perpetuação do capital” (ANTUNES, 2012, p. 42).
“Por
conta disso, se era – como é – completamente imprescindível ao capital a
universalização de um projeto de educação, tanto em relação aos aspectos
formativos estritos quanto em seus aspectos amplos – isto é: ‘a produção das
qualificações necessárias ao funcionamento da economia e [...] a formação dos quadros e a elaboração dos métodos
de controle político’ -, não se deve
perder de vista a orientação estrutural deste projeto, razão pela qual os
princípios da educação moderna
(leia-se burguesa) derivados do
princípio de Igualdade, Liberdade e Fraternidade, eram, e são,
tão belos quanto irrealizáveis” (ANTUNES, 2012, p. 42).
“Exatamente
em razão disso, tomar como bandeira da luta socialista pela educação a
universalização do ideal de educação burguesa
implica num movimento circular necessariamente autoderrotista, por duas grandes
razões: a primeira delas se pauta no argumento de que nos chamados países
dependentes não houve a implantação plena
do projeto burguês, de que o que houve foi um arremedo desse projeto. Esse
argumento perde de vista que este arremedo
é exatamente o projeto burguês em sua plenitude
(...). A segunda razão se sustenta no fato de que o capital se erige sobre uma
insolúvel contradição: o antagonismo irreconciliável entre capital e trabalho – ou,
de modo mais personificado, aquela contradição expressa no antagonismo
estrutural entre o ‘sujeito produtor real [...] [e o] pseudo-sujeito usurpador’” (ANTUNES, 2012, p. 43).
“Além
disso, ‘o sistema capitalista de nossa época foi privado da sanção máxima de
que dispunha: a guerra total contra seus inimigos reais ou potenciais’.
Portanto, o desenvolvimento histórico do capital – que em seus primórdios deu
origem aos belos princípios do ideal burguês de educação – resulta,
necessariamente, na eclosão de uma crise
estrutural. Não se trata, obviamente,
de abandonar a luta pela universalização
da educação, que, aliás, é uma bandeira
fundamental do movimento socialista. Trata-se, sim, de compreender o
equívoco ontológico de se considerar
que o ideal burguês de educação que
deve estar no centro desta
universalização” (ANTUNES, 2012, p. 44).
Capítulo II – Esfera política e
superação da alienação: negação da negação, mediação e positividade
“Pela
riqueza objetivamente desdobrada da essência humana que a riqueza da
sensibilidade humana subjetiva, que
um ouvido musical, um olho para a beleza da forma, em suma as fruições humanas
todas se tornam sentidos capazes,
sentidos que se confirmam como forças essenciais humanas” (MARX apud ANTUNES,
2012, p. 55).
“Assim,
sob o capital, nos deparemos com o
problema da impossibilidade ontológica
de realização do próprio ser humano,
pois, se ‘a natureza não produz, de um lado, possuidores de dinheiro ou de
mercadorias, e, de outro, meros possuidores da próprias forças de trabalho’ –
são exatamente as estruturas jurídico-políticas que salvaguardam a propriedade
privada dos meios de produção que mantêm o trabalho na condição de alienação e,
assim, asseguram a autorreprodução do capital” (ANTUNES, 2012, p. 55).
“O
cerne dessa questão é a distinção absolutamente vital ‘entre o comunismo como movimento
político – o qual se encontra limitado a uma determinada fase histórica de
desenvolvimento humano – e o comunismo como uma prática social abrangente’.
Mas, para podermos discutir de modo adequado a articulação entre um ‘movimento
político’ e ‘uma prática social abrangente’, devemos nos deter sobre uma ou
outra forma de manifestação da relação que se estabelece entre negatividade e positividade, expressa nas esferas da legalidade e da moral” (ANTUNES,
2012, p. 60).
“É
por conta também disso que Mészáros afirma tão enfaticamente que a ‘tarefa
histórica [de transformação social qualitativa]
que temos de enfrentar é incomensuravelmente maior que a negação do capitalismo’”
(MÉSZÁROS, apud ANTUNES, 2012, p. 44).
Capítulo III – A educação para
além do capital: educação e superação da autoalienação do trabalho
“Essa
‘e a verdadeira dimensão do problema educacional’, o que não é outra coisa
senão afirmar que a ‘questão crucial, sob o domínio do capital, é assegurar que
cada individuo adote como suas próprias as metas de reprodução objetivamente
possíveis do sistema. Em outras palavras, no sentido verdadeiramente amplo do
termo educação, trata-se de uma
questão de ‘internalização’” (MÉSZÁROS apud
ANTUNES, 2012, p. 74).
“Aqui
se chega ao ponto no qual se pode mais adequadamente compreender que educação, em Mészáros, significa algo em si profundamente articulado à
existência humana, e, portanto, à totalidade
dos processos sociais de produção e reprodução da vida social (...); ‘a
aprendizagem é a nossa própria vida, desde a juventude até a velhice, de fato
quase até a morte, ninguém passa dez horas sem nada aprender’” (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 74-75).
“Todavia,
é preciso deixar claro que, se educação
em Mészáros significa algo como ‘a nossa própria vida’, esse sentido amplo não pode ser restrito aos processos de vida de sujeitos singulares, de
indivíduos tomados isoladamente, pois bem se sabe (...), ‘que os homens fazem
sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois
não são eles quem escolhem as circunstâncias sob as quais ela é feita, mas
estas lhe foram transmitidas assim como
se encontram (MARX apud ANTUNES,
2012, p. 75).
“Essa
é a razão pela qual o processo de formação dos seres humanos – numa palavra: educação – ‘é um trabalho de toda a
história do mundo até aqui’” (MARX apud ANTUNES,
2012, p. 76).
“Por
conseguinte, sob o capital, a questão
educacional centram é, obviamente, também a devida interiorização das
‘circunstâncias [...] transmitidas assim como se encontram’, com a diferença crucial de que se trata aqui somente do
passado recente e estreito, isto é, do passado que está
estritamente circunscrito nos limites do capital,
e, ainda, somente aquele que não evidencia nenhuma
de suas contradições fundamentais” (ANTUNES, 2012, p. 76).
“Isso
que Mészáros chama de ‘educação contínua de pessoas’, que assegura a
transmissão da herança material e espiritual do capital, ‘tem duas funções
principais numa sociedade capitalista: (1) a produção das qualificações
necessárias ao funcionamento da economia, e (2) a formação dos quadros e a
elaboração dos métodos de controle político
(...)’” (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012,
p. 76).
“Sob
a produção de mercadorias, o trabalhador deve ser reproduzido, assim como educado,
somente – e no máximo – até os estreitos limites do tempo socialmente
necessário’ absolutamente imperante sob o capital. Ou seja, do ponto de vista amplo, o máximo de humanidade a que o
trabalhador pode e deve ter acesso é
tão somente aquilo que lhe permita, do ponto de vista estrito, atingir o ‘grau médio de habilidade, destreza e rapidez
reinantes na especificidade em que se aplica’ – razão pela qual ‘as carências
do trabalhador são assim [...] apenas a necessidade
de conservá-lo durante o trabalho, a fim de que a raça dos trabalhadores não desapareça (...), pois o capital conhece
o trabalhador apenas como animal de trabalho, como uma besta reduzida às mais
estreitas necessidades corporais’” (MARX apud
ANTUNES, 2012, p. 79).
“A
fim de justificar o injustificável fato de o propósito de toda atividade humana ser a produção de mercadorias e não a existência humana, uma importante parte
da ‘educação contínua’ do e sob o capital – ‘pela qual os
indivíduos particulares são diariamente e por toda parte embebidos nos valores da sociedade de mercadorias’ – diz respeito à
própria estrutura histórica desta sociedade de mercadorias, que é
propalada ‘como algo lógico e natural’, e com isso, toda e qualquer ordem
sociometabólica alternativa pode ser a priori descartada como ilógica e antinatural’” (MÉSZÁROS apud ANTUNES,
2012, p. 80).
“Se
se apreende a educação nesse sentido mais amplo, não se pode deixar de
concordar com a constatação prática
segundo a qual ‘as instituições formais de educação são uma parte importante do
sistema global de internalização [do capital]. Mas apenas uma parte’. Pois, ‘embora o período de educação
institucionalizado seja limitado sob o capitalismo a relativamente poucos anos
da vida dos indivíduos, a dominação ideológica da sociedade prevalece por toda
a sua vida’” (MÉSZÁROS apud ANTUNES,
2012, p. 80).
“Quer
os indivíduos participem ou não – por mais ou menos tempo, mas sempre em um
número de tempo bastante limitado – as instituições formais de educação, eles
devem ser induzidos a uma aceitação ativa (ou mais ou menos resignada) dos
princípios reprodutivos orientadores dominantes da própria sociedade, adequados
a suas posição na ordem social, e de acordo com as tarefas reprodutivas que
lhes foram atribuídas” (MÉSZÁROS apud ANTUNES,
2012, p. 80).
“Por
conta disso, ‘fica bastante claro que a educação formal não é a força
ideologicamente primária que
consolida o sistema do capital; tampouco ela é capaz de, por si só, fornecer uma alternativa emancipatória radical’ (...). Isso
se torna ainda mais contundente se se tiver em vista o ato de que ‘o
capitalismo avançado’ pôde seguramente ordenar seus negócios de modo a limitar
o período de educação institucionalizada ou uns poucos anos economicamente
convenientes da vida dos indivíduos e mesmo fazê-lo de maneira
discriminadora/elitista’” (MÉSZÁROS apud ANTUNES,
2012, p. 80).
“Seria
realmente um absurdo esperar uma formulação de um ideal educacional, do ponto
de vista da ordem feudal em vigor, que considerasse a hipótese da dominação dos
servos, como classe, sobre os senhores da bem-estabelecida classe dominante.
Naturalmente, o mesmo vale para a alternativa
hegemônica fundamental entre o capital e o trabalho” (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 81).
“As
determinações gerais do capital afetam profundamente cada âmbito particular [da existência humana] com alguma influência
na educação, e de forma nenhuma apenas as instituições educacionais formais. Estes
estão estritamente integrados na totalidade dos processos sociais. Não podem
funcionar adequadamente exceto se estiverem em sintonia com as determinações educacionais gerais da
sociedade como um todo” (MÉSZÁROS apud
ANTUNES, 2012, p. 81).
“No
interior da ‘concepção de educação há muito dominante, os governantes e os
governados, assim como os educacionalmente privilegiados (sejam esses
indivíduos empregados como educadores ou administradores no controle das
instituições educacionais) e aqueles que têm de ser educados, aparecem em
compartimentos separados, quase estanques’” (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 82).
“É
exatamente com base da formulação gramsciana, segundo a qual, ‘não existe
nenhuma atividade humana da qual se possa excluir toda intervenção intelectual’
– ou seja – ‘não se pode separar o homo
faber do homo sapiens’ – que, se
torna possível uma adequada apreensão dessa ‘concepção de educação há muito
dominante’, tanto em pelo fato de esta ‘define tanto a educação como atividade
intelectual, da maneira mais tacanha possível’, quanto porque, ‘simultaneamente,
ela exclui a esmagadora maioria da humanidade do âmbito das ação como sujeitos, e condena-os, para sempre, a
serem apenas considerados como objetos
(e manipulados no mesmos sentido) –
que não deixa de expressar uma forma específica de separação entre ‘homo faber’ e ‘homo sapiens’” (MÉSZÁROS apud
ANTUNES, 2012, p. 82).
“Por
conta dessas determinações sistêmicas, ‘a educação institucionalizada,
especialmente nos últimos 150 anos, serviu – no seu todo – ao propósito dos
sistema do capital’, é ainda mais duro ao afirmar que ‘uma das funções principais
da educação formal nas nossas sociedades é produzir tanta conformidade ou
consenso quanto for capaz, a partir de dentro e por meio dos seus próprios
limites institucionalizados e legitimamente sancionados’. Ou seja, atualmente,
‘a principal função da educação formar é agir como um cão-de-guarda ex-office e autoritário para induzir um conformismo generalizado em
determinados modos de internalização, de forma a subordiná-los às exigências da
ordem estabelecida’” (MÉSZÁROS apud ANTUNES,
2012, p. 82).
“Afirma:
‘nem mesmo os priores grilhões têm como predominar uniformemente’. ‘Não fosse
por esse inconveniente [...], o domínio da educação institucional formal e
estreita poderia reinar para sempre em favor do capital’” (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 82).
“Mas
‘o fato de a educação formal não poder ter êxito na criação de uma conformidade universal não altera o fato
de, no seu todo, ela estar orientada para aquele fim’” (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 83).
“Obviamente,
essas conclusões de Mészáros não devem levar ao disparate de se negar a
educação formal, a escola, ou toda e qualquer forma de institucionalização da
educação, mesmo que estas tenham servido, ‘especialmente nos últimos 150 anos’,
à perpetuação das estruturas sociais do capital. Deve-se aqui, novamente, ter a
capacidade de enxergar ‘o fundamento
não-alienado daquilo que se reflete de uma forma
alienada’” (MÉSZÁROS apud ANTUNES,
2012, p. 84).
“Trata-se,
de fato e portanto, da formulação de uma abordagem educacional que abarque a
‘totalidade das práticas político-educacional-culturais, na mais amplo
concepção do que seja uma transformação emancipadora’ (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 85). O papel a
ser ocupado pela escola em meio ao processo de transformação emancipadora não deve ser definido de antemão. A
instituição escolar tem, em contrapartida, de afirmar sua vitalidade no interior desse processo” (ANTUNES, 2012, p. 85).
“A
questão de saber se ao pensamento humano cabe alguma verdade objetiva não é uma
questão da teoria, mas uma questão prática.
É na prática que o homem tem que provar a verdade, isto é, a realidade e o
poder, a natureza citerior de seu pensamento. A disputa acerca da realidade ou
não realidade do pensamento – que é isolado da prática – é uma questão
puramente escolástica” (MARX apud ANTUNES, 2012, p. 85).
“Ou
seja, o potencial emancipador da escola tem de ser demonstrado praticamente, e não a partir de
postulados abstratos prévia e arbitrariamente supostos. A polêmica discussão acerca dos limites e possibilidades da educação
institucional em meio a um processo de transformação qualitativa, radical,
pode ser iniciada por duas interrogações, formuladas por Mészáros: ‘o que
aprendemos [ao longo da vida] de uma forma ou outra? Será que a aprendizagem
conduz à auto-realização dos indivíduos como indivíduos socialmente ricos
humanamente , ou está ela a serviço da perpetuação, consciente ou não, da ordem
social alienante e definitivamente incontrolável do capital’? (...) ‘Será o
conhecimento o elemento necessário para transformar em realidade o ideal da
emancipação humana, em conjunto com uma firme determinação e dedicação dos
indivíduos para alcançar, de maneira bem-sucedida, a auto-emancipação da humanidade, apesar de todas as adversidades, ou
será, pelo contrário, a adoção pelos indivíduos, em particular de modos de
comportamento que apenas favorecem a concretização dos objetivos reificados do
capital’” (MÉSZÁROS apud ANTUNES,
2012, p. 85-86).
“Para
Mészáros, trata-se, portanto, ‘de reivindicar uma educação plena para toda a vida,
para que seja possível colocar em perspectiva
a sua parte formal, a fim de instituir, também aí, uma reforma radical’. Ou, para afirmar a mesma coisa de modo ainda mais
enfático, é exatamente no espírito de
uma concepção de educação plena para toda a vida, isto é, refeita ‘do começo
até um fim sempre aberto’” (MÉSZÁROS apud
ANTUNES, 2012, p. 86).
“Que
todas as dimensões da educação podem ser reunidas. Dessa forma, os princípios
orientadores da educação formal devem ser desatados do seu tegumento da lógica
do capital, de imposição de conformidade, e em vez disso mover-se em direção a
um intercâmbio ativo e efetivo com práticas educacionais mais abrangente [...].
Sem um progressivo e consciente intercâmbio com processos de educação
abrangentes como a ‘nossa própria vida’, a educação formal não pode realizar as
suas muito necessárias aspirações
emancipadoras. Se, entretanto, os elementos progressistas da educação
formal forem bem-sucedidos em redefinir a sua tarefa num espírito orientado em
direção à perspectiva de uma alternativa hegemônica à ordem existente, eles
poderão dar uma contribuição vital para romper a lógica do capital, não só no
seu próprio e mais limitado domínio como também na sociedade como um todo’”
(MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 86-87).
“Em
Mészáros, então, não se trata de simplesmente
abolir as instituições formais de ensino e esperar daí qualquer superação dos complexos e abrangentes problemas da autoalienação humana. Tampouco se
resolve esse problema pela via reformista, ‘pois o que existia antes de tais
reformas será certamente restabelecido, mais cedo ou mais tarde, devido ao
absoluto fracasso em desafiar, por meio de uma mudança institucional isolada, a
lógica autoritária global do próprio capital’” (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 87).
“Por
conseguinte, ‘o que precisa ser confrontado e alterado fundamentalmente é todo o sistema de internalização, com todas as suas dimensões, visíveis e ocultas’,
pois uma confrontação à educação estabelecida, tomada em seu sentido mais
amplo, representa ‘o maior desafio ao capitalismo [e ao capital] em geral, pois
afeta diretamente os processos mesmos de ‘interiorização’ por meio das quais a
alienação e a reificação puderam, até agora, predominar sobre a consciência dos
indivíduos’” (MÉSZÁROS apud ANTUNES,
2012, p. 87).
“Nesse
sentido, ‘romper com a lógica do capital na área da educação equivale [...] a
substituir as formas onipresentes e profundamente enraizadas de internalização
mistificadora por uma alternativa concreta
abrangente’” (MÉSZÁROS apud ANTUNES,
2012, p. 87). “Aquilo que Mészáros chama de uma ‘contra-internalização’, com
base nos parâmetros reprodutivos da ordem hegemônica alternativa do trabalho” (ANTUNES, 2012, p. 87).
“Inicialmente,
por utopias educacionais Mészáros
compreende as preocupações – genuinamente humanitárias, aliás – presentes no
interior da tradição iluminista liberal. Ou seja, aquelas que, na fase
ascendente do capitalismo, de algum modo assumiram ‘uma postura crítica diante
dos excessos da nova ordem emergente e do impacto negativo de algumas
tendências já visíveis sobre o desenvolvimento pessoal dos indivíduos’”
(MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 88).
“Diferentemente
da época do iluminismo, [...] que podia ainda produzir utopias educacionais nobres, [...] a fase decadente da história do
capital, que culmina na apologia da destruição ilimitada levada a cabo pelo
desenvolvimento monopolista e imperialista do século XX e sua extensão no
século XXI, teve de trazer consigo uma crise
educacional antes inconcebível” (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 88).
“No
interior dessas formulações educacionais utópicas, mesmo que de modo
inconscientemente, ‘a relação entre o problema e a sua solução está, na
verdade, revertida, e com isso ela [a solução] redefine anistoricamente o
primeiro, de maneira a ajustar-se à solução – capitalistamente permissível –
que fora conceitualmente preconcebida, isto é, o problema tem de ser redefinido
ou alterado até se ajustar à solução: a perpetuação da autorreprodução do
capital’” (MÉSZÁROS apud ANTUNES,
2012, p. 90).
“Consequentemente,
a insolúvel contradição de todas as
formulações educacionais utópicas ‘reside na concepção [...] da mudança significativa como perpetuação do existente’ (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 91). Não se trata
de equívoco teórico, mas sim prático. O problema, portanto, não é epistemológico, é ontológico” (ANTUNES, 2012, p. 91).
“Por
reformismo Mészáros compreende o
movimento no interior do qual as mudanças
– ou reformas ‘são admissíveis
apenas com o único e legítimo objetivo de corrigir
algum detalhe defeituoso da ordem estabelecida, de forma que sejam mantidas
intactas as determinações estruturais fundamentais da sociedade como um todo,
em conformidade com as exigências inalteráveis da lógica global de um determinado sistema de reprodução’” (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 91).
“A
estratégia reformista – que, tal como as utopias educacionais, se norteia pela
noção de mudança significativa’ como ‘perpetuação do existente’ – está também fadada, mais que ao fracasso, à inutilidade, ‘porque o reformador visa a
uma melhoria no interior da estrutura
dada, e por intermédio dos meios da mesma estrutura, estando portanto sujeito
às mesmas contradições que pretende contrapesar ou neutralizar’” (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 92).
“Limitar
uma mudança educacional radical às margens corretivas interesseiras do capital
significa abandonar de uma só vez, conscientemente ou não, o objetivo de uma
transformação social qualitativa. Do mesmo modo, contudo, procurar margens de reforma sistêmica na própria estrutura
do sistema do capital é uma contradição
em termos” (MÉSZÁROS apud ANTUNES,
2012, p. 93).
“A
conclusão do argumento de Mészáros é enfática: ‘é por isso que é necessário romper com a lógica do capital se
quisermos contemplar a criação de uma alternativa educacional
significativamente diferente. E isso em virtude que a razão para o fracasso de
todos os esforços anteriores, e que se destinavam a instituir grandes mudanças
na sociedade por meio de reformas educacionais lúcidas, reconciliados com o
ponto de vista do capital, consistia – e ainda consiste – no fato de as
determinações fundamentais do sistema do capital serem irreformáveis. Como sabemos muito bem pela lamentável história da
estratégia reformista, [...] o capital é irreformável porque pela sua própria
natureza, como totalidade reguladora sistêmica, é totalmente incorrigível’” (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 93).
“Uma
ressalva poderia aqui ser formulada, entretanto, pois aquilo que se
convencionou chamar de Estado de
bem-estar social não deixa de ser uma evidência concreta de que houve um determinado momento histórico em que o reformismo
foi capaz de trazer algumas
conquistas, inclusive educacionais, á classe trabalhadora” (ANTUNES, 2012, p. 90).
“Deve-se,
contudo, salientar que essas conquistas – reais,
aliás – por um lado, não se
universalizaram, isto é, não se estenderam de modo equivalente às classes
trabalhadoras dos diversos países capitalistas (ainda mais se se comparar os
assim chamados países avançados aos dependentes); e que, por outro, em sua totalidade, essas conquistas
deram-se no interior dos estreitos
limites do sistema de metabolismo social do capital” (ANTUNES, 2012, p. 95).
“Mas,
então, como é possível afirmar que a ‘transcendência positiva da alienação é,
em última análise, uma tarefa educacional’ (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 95). Ou que, ‘a efetiva transcendência da auto-alienação do trabalho’ seja
caracterizada como uma tarefa inevitavelmente educacional’ (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 95), se ‘a
tendência socioeconômica da alienação que tudo traga foi suficientemente
poderosa para extinguir sem deixar
rastro, até mesmo os ideais mais nobres da época do Iluminismo’, e para condenar ‘ o reformismo liberal e
socialdemocrático, que já teve como poderoso aliado o expansionismo dinâmico do
capital, [...] à futilidade da pregação piedosa’? Aliás, uma ‘pregação que as
personificações do capital não podem absolutamente ouvir’. Para se responder
adequadamente a essa questão, temos necessariamente de precisar o que Mészáros
entende por educação. Inicialmente, ‘devemos distinguir entre concepção e apresentação’. Portanto, muito embora para sua apresentação – ou exposição
– Mészáros se utilize da definição paracelsiana, a concepção de educação que estrutura sua formulação teórica tem
forte inspiração lukacsiana: ‘o significado real de educação, digno de seu
preceito, é fazer os indivíduos viverem positivamente
à altura dos desafios das condições sociais historicamente em transformação – das quais são também os produtores mesmo sob as circunstâncias mais
difíceis’” (MÉSZÁROS apud ANTUNES,
2012, p. 95-96).
“Em
termos teóricos, é exatamente o
sentido dado pelo termo ‘positivamente’ que atribui a essa concepção de
educação um caráter radicalmente distinto
em relação às formulações anteriormente citadas – reformismo e utopias
educacionais, que, aliás, comumente se manifestam em um mesmo movimento. Essa
diferença, entretanto, para além da
esfera lógica, possui sólido fundamento ontológico
na ‘substância social’ do pensamento de Mészáros; isto é: na adoção prática do ponto de vista do trabalho como eixo fundamental, tanto
ponto de partida quanto de chegada, de toda a sua obra” (ANTUNES, 2012, p. 97).
“(...)
as forças educacionais exigidas podem ser ativadas com êxito para a realização
dos objetivos e valores adotados do desenvolvimento socialista da sociedade
visado por seus membros. Por conseguinte, o preceito ideal e o papel prático da
educação no curso da transformação socialista consistem em uma intervenção
efetiva continuada no processo social em andamento por meio da atividade dos
indivíduos sociais, conscientes dos
desafios que têm de confrontar como
indivíduos sociais, de acordo com os valores exigidos e elaborados por eles
para cumprir seus desafios” (MÉSZÁROS apud
ANTUNES, 2012, p. 98).
“A
doutrina materialista sobre a modificação das circunstâncias e da educação
esquece que as circunstâncias são modificadas pelos homens e que o próprio
educador tem de ser educado. Ela tem, por isso, de dividir a sociedade em duas
partes – a primeira das quais está colocada acima da sociedade. A coincidência
entre a altera[cão] das circunstâncias e a atividade ou automodificação humanas
só pode ser apreendida e racionalmente compreendida como prática transformadora” (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 100).
“O
educador, que também necessita educar-se, é parte da sociedade alienada, exatamente
como qualquer outra pessoa. Sua atividade, consistindo em uma conceituação mais
ou menos adequada sobre um processo real, não é ‘atividade não-alienada’, em
virtude do fato de estar ele, a seu modo, consciente da alienação. Na medida em
que é parte da alienação, também ele tem necessidade de ser educado” (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 100).
“Portanto,
é absolutamente vital compreender que o estado de alienação a que a humanidade
está sujeita deve ser superado necessariamente a partir de si próprio, uma vez que ‘os que estão fora da sociedade
alienada’ ou ‘fora da alienação’ não estão em parte alguma” (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 101).
“A
nossa tarefa educacional é, simultaneamente,
a tarefa de uma transformação social, ampla e emancipadora. Nenhuma das duas
pode ser posta à frente da outra. Elas
são inseparáveis. A transformação social emancipadora radical requerida é inconcebível sem uma concreta e ativa
contribuição da educação no seu sentido amplo [...]. E vice-versa: a educação
não pode funcionar suspensa no ar. Ela pode e deve ser articulada adequadamente
e redefinida constantemente no seu inter-relacionamento
dialético com as condições cambiantes e as necessidades da transformação
social emancipadora e progressiva em curso. Ou
ambas têm êxito e se sustentam, ou fracassam juntas” (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 101).
“A
primeira vista, essa pode aparecer uma afirmação relativamente simples e
corriqueira. Suas implicações, entretanto, são profundas e de muito longo
alcance. A primeira dela é que ‘não se pode falar em esperar o estabelecimento
de relações humanas socialistas, até depois
de atingidas certas metas econômicas predeterminadas: os objetivos educacionais
e os programas econômicos devem ser realizados numa integração mútua’” (MÉSZÁROS
apud ANTUNES, 2012, p. 101-102).
“É
por essa razão que ‘o destinatário da
educação socialista não pode ser simplesmente o indivíduo apartado, como no
modelo dos ideais educacionais tradicionais, ao contrário, a educação
socialista se destina aos indivíduos isolados. Em outras palavras, concerne aos
indivíduos cuja autodefinição como indivíduos - em contraste com o discurso
genérico abstrato da filosofia tradicional sobre a individualidade isolada
auto-referenciada [...] – não pode sequer ser imaginada sem a relação mais
estreita com seu meio social real e com a situação histórica específica
claramente identificável em que seus desafios humanos inescapavelmente
emergem’” (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012,
p. 103-104).
“Assim,
a categoria indivíduo social
configura uma definição ontologicamente
mais precisa – isto é, aquela que consegue ‘apoderar-se da matéria, em seus
pormenores, [...] analisar suas diferentes formas de desenvolvimento, e [...]
perquirir a conexão íntima que há entre elas’ (MARX apud ANTUNES, 2012, p. 106) - disso que se manifesta sob o
‘irreconciliável antagonismo entre o capital social total e a totalidade do
trabalho’ (MÉSZÁROS apud ANTUNES,
2012, p. 106); ou seja: ‘a totalidade da força de trabalho se envolve numa
confrontação cada vez mais intensa com o capital monopolista – o que traz
consigo profundas consequências para o desenvolvimento da consciência social
[dos indivíduos]’” (MÉSZÁROS apud ANTUNES,
2012, p. 106-107).
“Portanto,
‘a educação socialista só pode cumprir seu preceito se for articulada a uma intervenção consciente
e efetiva no processo de transformação social’ (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 109). É por isso
que Marx afirma em entrevista concedida ao Jornal Chicago Tribune, em dezembro de 1878, que a passagem dos meios de
produção à propriedade coletiva, segundo ele ‘o resultado do movimento
[socialista]’ – cujo objetivo final é ‘a emancipação dos trabalhadores’ – é
‘uma questão de tempo, de educação e do desenvolvimento de formas sociais
superiores’” (MARX apud ANTUNES,
2012, p. 109).
“Somente
por meio do mais ativo e constante envolvimento da educação no processo de
transformação social – alcançado por sua capacidade de ativar a reciprocidade
dialética progressivamente mais consciente entre os indivíduos e a sociedade –
é possível transformar em força operativa
efetiva, historicamente progressiva e concreta
o que no início podem ser apenas princípios
e valores orientadores genéricos” (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 109).
“(...)
o projeto socialista não pode obter êxito se for articulado e afirmado de
maneira consistente como a alternativa
hegemônica ao metabolismo social estruturalmente resguardado e alienante do
capital: a alternativa hegemônica do trabalho; e, por outro, por que ‘na
concepção marxista a efetiva transcendência da auto-alienação do trabalho
seja caracterizada como uma tarefa inevitavelmente educacional’” (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 110-111).
“Ademais,
é tão somente no interior dessa profunda reciprocidade
que ‘a educação praticamente efetiva dos indivíduos sociais se torna sinônima
do significado mais profundo de educação como auto-educação’ – ‘as referências de Marx ao indivíduo social rico
têm o intuito de indicar esse tipo de autodefinição
como a estrutura viável da educação’” (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 111).
“Somente
por meio da educação concebida como a auto-educação
radical dos indivíduos sociais, no curso de sua ‘alteração que só pode ter lugar em um movimento prático, em uma revolução’,
somente nesse processo podem os indivíduos sociais tornar-se simultaneamente
educadores e educados. Essa é a única maneira concebível de superar a dicotomia
conservadora de todas as concepções elitistas que dividem a sociedade em
seletos ‘educadores’ misteriosamente superiores e o resto da sociedade
consignada à sua posição permanentemente subordinada de ‘educados’, como
realçado por Marx. A esse respeito, devemos constantemente nos lembrar de que a
definida ‘alteração do povo para se tornar adequado
para fundar uma nova sociedade’ só é plausível pelo desenvolvimento da
‘consciência comunista de massa’, que abarca a maioria esmagadora da sociedade”
(MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 111).
“Em
síntese, a noção de educação como
autoeducação é aquela no interior da qual os indivíduos sociais são, ao mesmo tempo, educadores e educados,
isto é, determinantes-determinados de
um processo transformador permeado pela mais absoluta reciprocidade entre educação e transformação. No que concerne a esse amplo processo de transformação
qualitativa, tanto do ponto de vista
da ‘mudança qualitativa das condições objetivas de reprodução social’ quanto da ‘transformação progressiva da
consciência’, ‘dois conceitos principais devem ser postos em primeiro plano: a universalização da educação e a universalização do trabalho como atividade
humana autorrealizadora’” (MÉSZÁROS apud
ANTUNES, 2012, p. 101).
“É
evidente que quando a atividade vital do homem é apenas um meio para um fim
[isto é, sob o trabalho alienado], não se pode falar de liberdade [nem de
educação], porque as potências humanas que se manifestam nesse tipo de
atividade são dominadas por uma
necessidade exterior a elas”
(MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 112).
“São
essas as razões de Mészáros afirmar que ‘apenas dentro da perspectiva de ir para além do capital, o desafio de
universalizar o trabalho e a educação, em sua indissolubilidade, surgirá na
agenda histórica” (MÉSZÁROS apud ANTUNES,
2012, p. 113).
“Nesse
sentido, o papel da educação é absolutamente vital, tanto no que diz respeito à ‘elaboração de estratégias
apropriadas e adequadas para mudar as condições objetivas da reprodução, como
para a automudança consciente dos
indivíduos chamados a concretizar a criação de uma ordem social metabólica
radicalmente diferente’” (MÉSZÁROS apud ANTUNES,
2012, p. 114).
“Mas
cabe aqui ressaltar que a educação socialista ‘não pode cumprir seu preceito
histórico sem dar o devido peso aos objetivos transformadores abrangentes
essencialmente importantes vinculados a seu horizonte temporal apropriado’ –
isto é, é ‘desnecessário dizer que uma transformação dessas proporções não pode
acontecer da noite para o dia’” (MÉSZÁROS apud
ANTUNES, 2012, p. 116).
“Obviamente,
‘isso não significa que os objetivos mais fundamentais da mudança estrutural devam
ou possam ser deixados para um futuro distante, por conta da perspectiva
inevitavelmente de longo prazo de sua plena realização’. Muito ao contrário
disso – e profundamente articulado ao processo de ‘universalização conjunta do trabalho e da educação’, que
por sua vez se pauta na reciprocidade
que se estabelece (e deve necessariamente se estabelecer) entre educação e transformação” (MÉSZÁROS apud
ANTUNES, 2012, p. 116).
“Ganha,
então, concretude a afirmação de Mészáros segundo a qual ‘o papel da educação
não poderia ser maior na tarefa de assegurar uma transformação socialista
plenamente sustentável’ – afirmação na qual, cabe ressaltar, os conceitos educação e transformação atuam, um
sobre o outro, como ‘determinantes [que]
são, também eles, determinados’” (MÉSZÁROS apud
ANTUNES, 2012, p. 117).
“Se
‘é certo que a arma da crítica não pode substituir a crítica das armas, [e] que
o poder material tem de ser derrubado pelo poder material’ (MARX apud ANTUNES, 2012, p. 98), o ‘papel da
educação, propriamente definido como o desenvolvimento
contínuo da consciência socialista, é sem dúvida um componente crucial
desse grande processo transformador’ (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 117), pois, como a história da mostrou, ‘a
teoria converte-se em força material quando
penetra nas massas’” (MARX apud ANTUNES,
2012, p. 117).
À guisa da conclusão
“Este
livro constitui um importante marco de
um processo investigativo que teve como ponto de partida a necessidade de uma
compreensão mais aprofundada acerca da concepção de educação presente na obra de Mészáros – bem como, de modo mais
específico, ainda no interior do pensamento desse filósofo, a necessidade de
uma compreensão do papel da educação na manutenção da sociedade atual e sua
função na possível superação da organização societal estabelecida. Mas
compreender a concepção de educação
em Mészáros exige o adequado encaminhamento de uma fundamentação da e na
categoria trabalho” (ANTUNES,
2012, p. 119).
“Assim,
no primeiro capítulo, a partir das formulações de Marx, Lukács e Mészáros, foram
apontados os mecanismos por meio dos quais uma parte específica da natureza torna-se, por meio do trabalho, um novo tipo de ser: o ser humano. Ou seja, o ser tornado humano empreende uma transformação da e na natureza, com a
finalidade de adaptá-la às suas necessidades humanas” (ANTUNES, 2012, p. 119).
“É
nesse sentido que, tanto no que se refere aos primeiros passos, de ordem mais
política, quanto ao movimento transformador como um todo, de ordem mais
econômica, o papel a ser desempenhado pela educação
é absolutamente vital, pois somente a educação é capaz de nortear todo o processo, desde os primeiros passos, passando pela
tomada do poder, até a constituição histórica de uma ordem sociometabólica
hegemônica distinta” (ANTUNES, 2012, p. 121).
“No
interior desse movimento de delimitação conceitual, nos detivemos na radical
crítica formulada por Mészáros àquilo que chamou de utopias educacionais e de estratégia
reformista, tanto do ponto de vista teórico quanto prático (...). Depois
dessa profunda crítica, passamos aos encaminhamentos positivos propriamente ditos da concepção de educação de Mészáros, todos
centrados na adoção prática do ponto de vista do trabalho como eixo
fundamental de análise e propositura e articulados
entre si pela noção de ‘igualdade substantiva’, o ‘conceito-chave’ da
estratégia e da educação socialistas (...). Mészáros não é um pedagogo. Nem
mesmo um filósofo da educação. Foi, e é, entretanto, um professor, um educador,
no melhor sentido do termo – em suas próprias palavras, ‘o bom educador é
alguém que inspira a autoeducação’”
(MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2012, p. 122).
“Depois
tem-se, então, que trabalho e educação se determinam reciprocamente, ou seja,
se o trabalho ‘é o determinante último, é também um determinante determinado’.
Não é, portanto, de modo algum surpreendente que a questão central da
formulação educacional de Mészáros seja a ‘interiorização’, tanto do ponto de
vista objetivo, isto é, circunscrita
pelas condições materiais objetivas e historicamente determinadas, quanto do
ponto de vista subjetivo, ou seja, pela adoção pelos sujeitos de determinados
parâmetros sociais objetivos como horizontes de existência individual e
coletiva (...). Para Mészáros, exatamente em virtude dessas apreensões, um
projeto educacional emancipatório, se intenta algum êxito concreto, alguma materialidade transformadora,
tem necessariamente de estar
articulado a um projeto societal revolucionário,
e ainda, além disso, necessita do próprio processo de transformação em curso, tanto porque é a própria
situação social cambiante que necessariamente ajusta, adéqua, redefine,
conforma o próprio projeto educacional, quanto porque é tão somente por meio da
educação que se torna possível transformar em ‘força operativa efetiva’ aqueles
inicialmente ‘apenas princípios e valores orientadores genéricos’” (ANTUNES,
2012, p. 123).
“Se
há em Mészáros algum pessimismo, esse se configura como o mais firme
‘pessimismo da razão’, pois, conforme Marx afirma enfaticamente, ‘ser radical é
agarrar as coisas pela raiz’. Mas, como ‘para o homem, a raiz é o próprio
homem’, o q eu de fato transborda da obra – e da vida – de
Mészáros é o mais belo, solidário e ontológico ‘otimismo da vontade’” (MARX apud ANTUNES, 2012, p. 124).
JaloNunes.