A VIDA FELIZ, de SÊNECA.
SÊNECA. A Vida Feliz. (trad. Luiz Feracine). Texto Integral. Editora Escala: São Paulo, 2006. (Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal - 43)
INTRODUÇÃO
2. “Enquanto, na primeira parte, o autor de detém na análise criteriosa dos conceitos atinentes aos temas que embasam o estoicismo tais como os de virtude, prevaricação, liberdade, razão, bem, honestidade, sumo-bem e felicidade, na segunda parte, vem à tona, o empenho defensivo de quem, ao rechaçar imputações melindrosas de improbidade, envida todo o seu talento oratório em polir seu nome e sua fama junto ao publico dos admiradores” (p. 19).
4. “O leitor se depara, nos capítulos introdutórios da
primeira parte, com uma síntese primorosa dos assuntos enfocados pelo
Estoicismo, a saber, a virtude é o bem máximo que almejamos em nosso
procedimento; a maioria dos seres humanos ainda não tem noção lúcida acerca do
que confere sentido e pode impregnar de encanto a vida; a virtude, conduzida
pela razão, equivale à sabedoria que produz a paz interior onde afloram, de
contínuo, surtos de alegria que prenunciam o futuro encontro com as divindades,
no céu” (p. 20).
I – Análise da Parte I
1. “Na primeira parte do livro A VIDA FELIZ, Sêneca
apresenta o conjunto conceitual relativo à essência, à causa e aos efeitos de
uma existência, realmente, feliz não na perspectiva dessa ou daquela ideologia
ou ‘visão de mundo’ e, sim, sob o enfoque específico da filosofia ético-moral,
no plano metafísico que é diverso de qualquer projeção meramente sociológica. Vamos
apreciar a concepção que era apregoada pelo estoicismo. Sabemos que para aquela
linha de pensamento filosófico, a moralidade do agir humano se pauta pela racionalidade
assessorada pelo pensamento livre” (p. 21).
2. “(...) a maldade provém de alguma fraqueza” (p. 22).
3. “(...) Sêneca define a liberdade como capacidade de não
ser dominado por desejos ou por impulsos do medo. Tal modo de definir
corresponde ao que, mais tarde, no século XIII, Tomás de Aquino chamaria de
‘autodeterminação’” (p. 22).
5. “(...) A vida feliz é o resultado de um espírito livre,
elevado, impávido e constante, acima de qualquer temor, paixão, para o qual o
único bem é a honestidade e o único mal é a torpeza” (p. 23).
7. “(...) Pode-se dizer que feliz é quem, mediante a razão,
não tem nem temores nem paixões” (p. 23).
II – Análises da Parte
II
3. “(...) Em resposta, Sêneca explica que os filósofos
desempenham uma missão didática e sempre útil. Antes do mais, o que deve ser
avaliado é sua intenção de educador. Isso prevalece sobre a prática da vida
deles” (p. 27).
4.4. Qual posição o “sábio” assume diante do imperador?
“(...) nascemos numa monarquia, aqui, obedecer a Deus é ser
livre” (p. 28).
PARTE I
1.1 QUESTÃO PRELIMINAR: QUE SIGNIIFICA “VIVER
FELIZ”?
“De fato, e de tal monta a dificuldade em conseguir vida
feliz que, quanto mais alguém, afanosamente, está em seu encalço, posto que
tenha errado na escolha do caminho, mais se distancia porque é levado à meta
oposta, porquanto a pressa só aumenta a distância que as separa” (p. 31).
1.5 A força do mau
exemplo
“(...) É que o beneplácito popular é volúvel e, de fato,
muda. Aprova-se algo que, logo depois, é desaprovado. Eis o resultado de toda
decisão com base no parecer da maioria” (p. 33).
2.2 Não dar crédito
às aparências
“(...) Eu não olho para a cor das vestes que cobre o corpo. Não
acredito em aparências. Tenho um instrumento melhor do que os olhos e mais confiável
que me permite distinguir o verdadeiro do falso. O bem da alma quem o descobre
é ela mesma” (p. 34).
3.1 O bem nos
circunda
“Procuremos algo de bom não só na aparência, mas sólido,
contínuo e formoso por dentro. Esse é o que vamos expor, trazendo à luz. Não
está longe, não. Nós o encontraremos. Basta saber para onde estender as mãos.
Por hora estamos como que tateando, em meio à escuridão, tocando em coisas mais
vizinhas que afloram ao nosso encontro como apetecíveis” (p. 35).
3.4 Vida feliz e beatitude
plena
“(...) Aliás, qualquer tipo de perversidade resulta de
alguma deficiência” (p. 36).
4.2 Várias definições
de vida feliz
“Podemos ainda dizer: feliz é o homem para o qual não existe
nem bem nem mal e, sim, apenas uma alma boa ou má que, cultiva a honestidade”
(p. 37).
4.3 Outras
modalidades da mesma concepção
“Nada impede afirmar que a vida feliz é o acabamento –
performance – de uma alma livre, sobranceira, impávida e firme, a cavaleiro de
qualquer temor, no controle total de qualquer paixão, de sorte que o último bem
é a dignidade e o único mal é a desonestidade, sendo todo o resto um amontoado
de coisas que não tiram nem acrescentam nada à felicidade da vida” (p. 38).
“(...) A propósito, seja vista a nociva escravidão a quem
está condenado quem se sujeita, ora ao prazer, ora à dor, já que tanto um como
outra configuram os patrões mais déspotas e caprichosos” (p. 39).
5.1 A consciência da
felicidade
“(...) como pessoa feliz quem, graças à razão, não está
submetido à cupidez nem a temores. Verdade que também as pedras não
experimentam medo e tristeza” (p. 39).
5.3 Vida feliz e
retidão constante
“Feliz, então, a vida fundamentada em juízo reto, certo,
estável e imutável” (p. 40).
6.1 Trocar o bem pela
maldade e loucura
“Ora, tudo isso, se me afigura mesquinhez porquanto preferir
o mal ao bem é loucura (...)” (p. 41).
6.2 Feliz é quem
confia à razão sua conduta
“(...) Feliz é aquele que, satisfeito com sua condição, seja
ela qual for, desfruta da mesma (...)” (p. 41).
7.2 Não unir o que se
contradiz
“(...) Aliás, a virtude, com frequência, está vazia de
prazer e nunca dele necessita” (p. 42).
7.3 A beleza da
virtude
“A virtude é algo de elevado, sublime e nobre, invencível,
infatigável. O prazer é coisa baixa, servil, débil, efêmera que tem domicílio
em bordeis e nas tabernas. A virtude, ao invés, encontra-se no templo, no foro,
na Cúria, na vigilância de nossas muralhas. Ela anda coberta de poeira,
queimada de sol e de mãos calosas. Por sua vez, o prazer, com frequência, oculta-se,
busca a escuridão que o acoberta, frequenta as piscinas e os balneários de água
quente, lugares esses longe dos olhos dos edis. Ele se mostra flácido,
desnervado, cheirando a vinho e a perfume, empalidecido, quando não formoseado
e embalsamado qual cadáver” (p. 42).
7.4 As deficiências
estruturais do prazer
“(...) Não pode ser estável que, por natureza, é móvel.
(...) Com efeito, já vê o fim, quando começa” (p. 43).
8.1 Outra objeção: o
prazer é partilhado pelos bons e pelos maus
“(...) Bem por isso os antigos ensinam a seguir a vida
melhor e não a mais prazerosa de modo que o prazer seja um aliado e não o guia
da vontade digna e reta” (p. 43).
8.4 A função diretora
da mente
“(...) De fato, também o universo, que tudo abarca tal como
o próprio deus – reitor do mundo – ambos se voltam para o exterior, porém
sempre retornam para sim mesmos” (p. 44).
8.6 O sumo bem e a
harmonia da alma
“(...) De fato, preguiça e indecisão denotam contraste e
incoerência. Daí poder-se assegurar, sem relutância, que o sumo bem é a
harmonia da alma” (p. 45).
“São os vícios que criam discrepâncias” (p. 45).
9.2 Não confundir
deleite com o agrado do prazer
“(...) Assim também o prazer não é o preço nem a causa da
virtude e, sim, um acessório dela. Não é porque deleita que é receptiva, mas,
embora deleitando, tem receptividade” (p. 45).
9.3 O conceito de
sumo bem
“O sumo bem consiste no próprio juízo e na estruturação de
uma mente perfeita (...)” (p. 46).
10.1 Objeção: vida de
prazer implica virtude
“(...) Afirmo, de modo claro e categórico: a vida que eu
defino como prazerosa não pode ser outra senão aquela associada à virtude” (p.
46).
10.4 Diferença entre
as duas posições em conflito
“A temperança ao limitar o prazer é lesiva para o sumo bem.
Falando assim, estás privilegiando o prazer. Eu o controlo. Tu fruis do prazer.
Eu dele só me sirvo. Tu crês que ele seja o sumo bem. Para mim sequer bem é. Tu
fazer tudo por prazer. Eu nada” (p. 47).
12.2 Os prazeres do
sábio
“Ao contrário, os prazeres dos sábios são sóbrios, comedidos
quase que afivelados, sob medida e mal perceptíveis porquanto sobrevêm quase de
improviso. Ao se fazerem presentes, não são acolhidos com pompa nem com alegria
espalhafatosa por parte de que os recebe. É que o sábio os integra na vida qual
peça de jogo ou diversão, ficando, de permeio, a coisas sérias” (p. 50).
12.4 O Epicurismo em
voga é uma interpretação errônea da doutrina genuína de Epicuro
“Não é Epicuro quem os incentiva a serem dissolutos” (p.
50).
“Não levem em apreço quanto era sóbrio e moderado o prazer
segundo Epicuro (aliás, isso, por Hércules, é bem o que eu penso), mas
apegam-se tão só ao nome dele, esperando encontrar justificativa e cobertura
para uma vida devassa e corrupta” (p. 51).
13.1 Defesa de
Epicuro
“(...) Epicuro deu preceitos nobres e retos e, se vistos
mais de perto, até austeros. De fato, o prazer é reduzido a uma dimensão
diminuta. Aliás, a mesma regra a qual submetemos a virtude, ele impõe aos
prazeres, ou seja, obedecer à natureza. Ocorre que o quanto basta para a
natureza é pouco para a luxúria” (p. 51).
13.5 A virtude se
sobrepõe ao prazer desregrado
“O prazer é nocivo, quando em excesso, mas a virtude está
fora do perigo de ser excessiva, porque contém em si mesma a sua medida
adequada” (p. 53).
“(...) ficando a virtude na frente e o prazer no seguimento
dela, mantendo-se tão perto quanto a sombra de um corpo” (p. 53).
14.1 A virtude abra e
comanda o desfile da vida
“(...) Aqueles que colocaram o prazer desregrado na dianteira
da vida, acabam enfrentando dois problemas: primeiro, a virtude que perdem e,
depois, o prazer que os domina, em vez de ser dominado, pois a ausência dele
atormenta e, quando abundante, sufoca. Infeliz quem dele se afasta, porém muito
mais feliz quem por ele for soterrado” (p. 53).
15.3 Defender a sorte
é a pior das escravidões
“De fato, se começa a ter necessidade de favor da sorte,
então descamba para a pior das escravidões” (p. 55).
15.7 A verdadeira
liberdade é ser fiel a deus
“(...) Nascemos
dentro de uma monarquia, onde obedecer a Deus, é liberdade” (p. 57).
16.1 Felicidade plena
equivale a imitar Deus nos limites de nossa possibilidade
“Eis a conclusão: a verdadeira felicidade consiste na
virtude (...), ela considera como bem só o que está ligado à virtude e mau o
que tem conexão com a maldade. Além disso, ordena que sejas inabalável, quer em
face do mal, quer junto ao bem de sorte que assim possas imitar Deus dentro dos
limites de tua capacidade” (p. 57).
16.4 Conclusão: os
graus de perfeição ético-moral
“É que enquanto alguns estão algemados e outros jugulados e
alguns garroteados, quem galga o altiplano da virtude sente as algemas
afrouxadas. Não está ainda livre, mas já preliba a soltura” (p. 58).
PARTE II
17. Sêneca é acusado
de falsário. Ele prega no púlpito da vida o que não vive, na intimidade. Acolhendo,
com humildade a crítica, ele responde e faz novos aprofundamentos do tema
17.3 “(...) não sou sábio e para me entregar ao sabor de tua
maledicência, acrescento, nem sábio serei” (p. 60).
“(...) A mim me basta que, a cada dia, eu faça uma poda nos
meus vícios e exprobre meus erros” (p. 60).
18.1 Ressoa a mesma
objeção: falas de um modo e vives de outra maneira
“(...) Eis porque falo não de mim e, sim, da vida virtuosa
em si” (p. 61).
18.2 Lição de
humildade e de idealismo ético
“Não será a vossa venenosa maldade a dissuadir-me dos
elevados objetivos nem o veneno, que borrifais sobre os outros e que a vós
mesmos mata, vai impedir que eu continue a louvar não a vida que levo e, sim,
aquela que deveria levar. Também não me impossibilita prestigiar e virtude e
segui-la, mesmo que me arrastando e de longe” (p. 61).
20.4 A lei do amor
solidário
“(...) Não avalio os benefícios pelo número e peso, mas pela
estima que tenho por quem os recebe” (p. 64).
“Tudo farei sob o imperativo da consciência sem me submeter
à opinião alheira” (p. 64).
20.7 Os críticos
maldosos temem a luz da verdade
“Gemei e gritai, soltando a língua maldosa contra os bons;
escancarei a boca e mordei. Então bem mais rápido quebrarei os vossos dentes
sem deixarem marca” (p. 65).
23.1 O filósofo não
está proibido de ter posses
“O filósofo poderá possuir grandes riquezas desde que não
sejam roubadas, manchadas de sangue, fruto de injustiças e lucro sujo” (p. 69).
“São bens limpos porque não existe ninguém que possa
reivindica-los, embora não falte quem queira toma-los” (p. 69).
23.5 Ser generoso com
critério
“(...) Será generosa nas ocasiões certas, pois donativo
errado é favor inútil” (p. 70).
24.2 Doação é o
melhor dos investimentos
“A alguns me limito a oferecer enquanto que para outros
tenho que persuadi-los a receber” (p. 71).
“(...) Eu dou para não perder. O que for doado deve ficar
num lugar de onde não deve ser reclamado, mas possa ser devolvido” (p. 71).
24.3 Onde estiver um
ser humano carente, aí impera o preceito da liberdade
“(...) A natureza me manda fazer o bem aos homens, sejam
eles escravos ou livres ou assim nascidos ou não” (p. 71).
“Que diferença há, se é uma liberdade legal ou concedida por
amizade? Onde há um ser humano, aí, há possibilidade de fazer o bem” (p. 71).
24.4 A sabedoria tem
seus graus
“Não me podes colocar em choque com meus princípios, quando
faço o máximo do meu possível, cuido de melhorar e aspiro a um ideal realmente
grandioso. Só depois de ter feito os progressos intentados é que poderias
exigir o confronto entre o que falo e o que concretizo” (p. 72).
24.5 A fala de quem
já alcançou o cume da perfeição moral
“(...) Afirmo que as riquezas não são coisas boas em si
mesmas. Se, realmente, fossem, então elas nos tornariam bons. Não consigo
definir como coisa boa em si aquilo que integra também a vida de indivíduos
maus” (p. 72).
25.3 Antes moderar o
prazer que aliviar a dor
“Mesmo submergido em tanta desgraça, não irei amaldiçoar um
dia sequer a minha vida” (p. 74).
“Que significa tudo isso? Que quer dizer que prefiro moderar
o prazer a aliviar a dor!” (p. 74).
25.6 Há virtude para
cada situação
“Do mesmo modo como o corpo, num declive, deve ser retido e
na subida impulsionado assim também há virtudes para a descida e outras para a
escalada” (p. 75).
25.7 Na pobreza,
coragem; na riqueza, cautela
“Assim, na pobreza, devemos usar de virtudes aptas para
lutar, com vigor; na riqueza, aquelas mais cautelosas que controlam os
movimentos e mantém o equilíbrio” (p. 75).
26.3 A riqueza do
sábio ninguém consegue roubar
“Qualquer um pode roubar a riqueza do homem sábio, mas não
lhe tirar os seus bens verdadeiros, porque ele vive alegre, no presente, e
despreocupado com o futuro” (p. 77).
26.5 O sábio faz da
crítica aos vícios uma missão
“(...) De fato, quem destrói os altares nem sequer aos
deuses ofende, mas fica evidente sua má intenção mesmo ali, onde não consegue
provocar dano nenhum” (p. 77).
27.4 A brevidade da
vida já apela para conversão moral
“Vós tendes tempo para andar, por aí, perscrutando os
defeitos alheios” (p. 80).
“Estás a ver espinhas nos outros, enquanto tendes o corpo
tomado por chagas. Sois como alguém que, devorado pela lepra, ri das manchas ou
das verrugas em corpo formoso (...)” (p. 80).
“Por que não olhai para vossos defeitos que vos assaltam,
trepidantes pelo lado de fora e devoradores de vossas entranhas” (p. 80).
“As questões humanas (mesmo que não sejais conscientes dessa
vossa condição) não estão a ponto de deixar espaço para que deis com a língua
nos dentes, ferindo os que são mais dignos do que vós” (p. 80).