TARDIF,
Maurice. Saberes Docentes e Formação Profissional. (trad. Francisco
Pereira). 17. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
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A
partir de 1980, a questão do saber dos professores fez surgir dezenas de
milhares de pesquisas no mundo anglo-saxão e, mais recentemente, na Europa.
Ora, essas pesquisas empregam teorias e métodos bastante variados e propõem as
mais diversas concepções a respeito do saber dos professores (TARDIF, 2014, p.
10).
Devo
dizer inicialmente que, para mim, a questão do saber dos professores não pode
ser separada das outras dimensões do ensino, nem no estudo do trabalho
realizado diariamente pelos professores de profissão, de maneira mais
específica (TARDIF, 2014, p. 10).
Além
disso, o saber não é uma coisa que flutua no espaço: o saber dos professores é
o saber deles e está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com
a sua experiência de vida e com a sua história profissional, com as suas
relações com os alunos em sala de aula e com os outros atores escolares na
escola, etc. (TARDIF, 2014, p. 11).
Portanto,
o saber dos professores não é o “foto íntimo” povoado de representações
mentais, mas um saber sempre ligado a uma situação de trabalho com outros
(alunos, colegas, pais, etc.), um saber ancorado numa tarefa complexa
(ensinar), situado num espaço de trabalho (a sala de aula, a escola), enraizado
numa instituição e numa sociedade (TARDIF, 2014, p. 15).
A
minha perspectiva procura, portanto, situar o saber do professor na interface
entre o individual e o social, entre o ator e o sistema, a fim de captar a sua
natureza social e individual como um todo. Ela se baseia num certo número de
fios condutores (TARDIF, 2014, p. 16).
No
tocante à profissão docente, a relação cognitiva com o trabalho é acompanhada
de uma relação social: os professores não usam o “saber em si”, mas sim saberes
produzidos por esse ou por aquele grupo, oriundos dessa ou daquela instituição,
incorporados ao trabalho por meio desse ou daquele mecanismo social (formação,
currículos, instrumentos de trabalho, etc.) (TARDIF, 2014, p. 19).
O
objetivo almejado aqui é usar os diferentes recursos conceituais e empíricos
proporcionados por esses numerosos trabalhos para tentar repensar a natureza da
pedagogia e, consequentemente, do ensino no ambiente escolar. Pretende-se mostrar
como a análise do trabalho dos professores, considerado em seus diversos
componentes, tensões e dilemas, permite compreender melhor a prática pedagógica
na escola (TARDIF, 2014, p. 113).
Na
maioria dos países ocidentais, os sistemas escolares veem-se hoje diante de
exigências, expectativas e desafios sem precedentes. É no pessoal escolar, e
mais especificamente nos professores, que essa situação crítica repercute com
mais força. As pessoas se interrogam cada vez mais sobre o valor do ensino e
seus resultados. Enquanto as reformas anteriores enfatizavam muito mais as
questões de sistema ou de organização curricular, constata-se, atualmente, uma
ênfase maior na profissão docente, e também na formação dos professores e na
organização do trabalho cotidiano. Exige-se cada vez mais, que os professores
se tornem profissionais da pedagogia, capazes de lidar com os inúmeros desafios
suscitados pela escolarização de massa em todos os níveis do sistema de ensino
(TARDIF, 2014, p. 114-115).
Noutras
palavras, aquilo que chamamos de pedagogia, de técnicas e de teorias
pedagógicas, pouco importa a sua natureza, deve estar arrimado no processo
concreto de trabalho dos profissionais, para que possa ter alguma utilidade
(TARDIF, 2014, p. 115).
Além
disso, um processo de trabalho, qualquer que seja ele também, supõe a presença
de uma tecnologia através da qual o objeto ou a situação são abordados,
tratados e modificados. Noutras palavras, não existe trabalho sem técnica, não
existe objeto do trabalho sem relação técnica do trabalhador com esse objeto
(TARDIF, 2014, p. 117).
Ora,
(…) os professores utilizam, em suas atividades cotidianas, conhecimentos
práticos provenientes do mundo vivido, dos saberes do senso comum, das
competências sociais. Suas técnicas não se apoiam nas ciências ditas positivas,
mas sobretudo nos saberes cotidianos, em conhecimentos comuns, sociais,
baseados na linguagem natural (TARDIF, 2014, p. 136).
É
aqui que entram em cena as verdadeiras tecnologias de ensino. Elas correspondem
às tecnologias da interação, graças as quais um professor pode atingir seus
objetivos nas atividades com o aluno. Podem ser identificadas três grandes
tecnologias da interação: a coerção, a autoridade e a persuasão. Elas permitem
que o professor imponha o seu programa de ação em detrimento daquelas ações
desencadeadas pelos alunos que iriam em sentido contrário a esse programa
(TARDIF, 2014, p. 137).
Vários
autores preocuparam-se em estabelecer a genealogia dessa questão, estudando,
por exemplo, os laços que a ligam ao movimento de profissionalização do ensino,
às recentes reformas escolares ou às transformações do saber que afetam nossas
sociedades modernas avançadas ou pós-modernas. Não é minha intenção refazer
essa genealogia nem delimitar as condições sociais, culturais e educacionais
que foram determinantes na edificação da questão do conhecimento dos
professores (TARDIF, 2014, p. 228).
Os
professores de profissão possuem saberes específicos que são mobilizados,
utilizados e produzidos por eles no âmbito de suas tarefas cotidianas. Noutras
palavras, o que se propõe é considerar os professores como sujeitos que
possuem, utilizam e produzem saberes específicos ao seu ofício, ao seu
trabalho. A grande importância dessa perspectiva reside no fato de os
professores ocuparem, na escola, uma posição fundamental em relação ao conjunto
dos agentes escolares: em seu trabalho cotidiano com os alunos, são eles os
principais atores e mediadores da cultura e dos saberes escolares (TARDIF,
2014, p. 228).
Na
América do Norte e na Europa, os trabalhos que procuram levar em consideração a
subjetividade dos professores são desenvolvidos atualmente a partir de três
grandes orientações teóricas:
Uma
primeira orientação caracteriza as pesquisas sobre a cognição ou sobre o
pensamento dos professores. São pesquisas de inspiração psicológica e fazem
parte da corrente das ciências cognitivas, especialmente da Psicologia
cognitiva (...).
De
acordo com essa orientação teórica de pesquisa, os saberes dos professores são
representações mentais a partir das quais os práticos ordenam sua prática e
executam suas ações; trata-se, portanto, de saberes procedimentais e
instrumentais a partir dos quais o professor elabora uma representação da ação
e lhe dá forma (…).
Do
lado europeu, as pesquisas sobre a cognição dos professores são muito mais de
inspiração construtivista e socioconstrutivista. Elas se interessam pelo
processo de negociação, de ajustamento e de estruturação das representações
mentais subjetivas e intersubjetivas dos professores relacionados com o
contexto de ensino, com as interações com os alunos e também com as outras
dimensões simbólicas do ensino, como por exemplo, as disciplinas escolares, os
programas etc. Essas pesquisas europeias correspondem também às pesquisas
norte-americanas desenvolvidas nas áreas de didática da matemática e da antropologia
cognitiva, as quais tratam daquilo que chamamos de “cognição situada” ou de
“aprendizagem situada” (…).
(TARDIF,
2014, p. 230-231).
Uma
segunda orientação caracteriza as pesquisas que tratam daquilo que se pode
chamar de “vida dos professores”. Tais pesquisas se baseiam em diversas
correntes teóricas como a fenomenologia existencial, as histórias de vida
pessoal e profissional, os estudos sobre as crenças dos professores, os
enfoques narrativos que estudam a “voz dos professores”, ou seja, seus próprios
relatos e metáforas pessoais referentes ao seu ofício, etc. Nessa segunda
orientação teórica, a subjetividade dos professores é vista de maneira muito
mais ampla do que na primeira, pois não se limita à cognição ou às
representações mentais, mas engloba toda a história de vida dos professores,
suas experiências familiares e escolares anteriores, sua afetividade e sua
emoção, suas crenças e valores pessoais, etc. (…). De qualquer maneira, nessa
segunda orientação, o professor é considerado o sujeito ativo de sua própria
prática. Ele aborda a sua prática e a organiza a partir de sua vivência, de sua
história de vida, de sua afetividade e de seus valores (…).
Os
trabalhos de pesquisa oriundos dessa orientação não se interessam tanto pelo
professor perito ou eficiente, mas pelo professor experiente ou pela
experiência relativa ao trabalho do professor, com suas tensões, seus dilemas,
suas rotinas, etc. (TARDIF, 2014, p. 232).
Assim,
eles criticam a organização do trabalho docente nas escolas, o qual, muitas e
muitas vezes, privilegia concepções burocráticas e autoritárias que esvaziam a
contribuição e os conhecimentos práticos dos professores experientes (TARDIF,
2014, p. 233).
Finalmente,
uma terceira orientação teórica se baseia em enfoques que, de uns trinta anos
para cá, vem sendo propostos no campo da sociologia dos atores e da sociologia
da ação: simbolismo interacionista, etnometodologia, estudo da linguagem comum
ou cotidiana, estudo da comunicação e das interações comunicacionais, pesquisa
sobre as competências sociais ou os saberes sociais dos atores, etc. (…).
Nessa
terceira orientação, a subjetividade dos professores não se reduz à cognição ou
à vivência pessoal, mas remete às categorias, regras e linguagens sociais que
estruturam a experiência dos atores nos processos de comunicação e de interação
cotidiana (TARDIF, 2014, p. 233).
(…)
a primeira privilegia uma visão cognitiva da subjetividade; a segunda, uma
visão existencial; a terceira, uma visão social. Essas diferentes concepções
mostram que a questão da subjetividade é rica e complexa, e pode ser estudada
através de enfoques variados (TARDIF, 2014, p. 234).
Todavia,
apesar das diferenças existentes entre elas, essas três concepções afirma
também que, em toda atividade profissional, é imprescindível levar em
consideração os pontos de vista dos práticos, pois são ele realmente o polo
ativo de seu próprio trabalho, e é a partir e através de suas próprias
experiências, tanto pessoais quanto profissionais, que constroem seus saberes,
assimilam novos conhecimentos e competências e desenvolvem novas práticas e estratégias de ação (TARDIF,
2014, p. 234).
Se
assumirmos o postulado de que os professores são atores competentes, sujeitos
ativos, devermos admitir que a prática deles não é somente um espaço de
aplicação de saberes provenientes da teoria,
mas também um espaço de produção de saberes específicos oriundos dessa
mesma prática (TARDIF, 2014, p. 234).
Nessa
perspectiva, a relação entre a pesquisa universitária e o trabalho docente
nunca é uma relação entre uma teoria e uma prática, mas uma relação entre
atores, entre sujeitos cujas práticas são portadoras de saberes (TARDIF, 2014,
p. 237).
Em
primeiro lugar, reconhecer que os professores de profissão são sujeitos do
conhecimento e reconhecer, ao mesmo tempo, que deveriam ter o direito de dizer
algo a respeito de sua própria formação profissional, pouco importa que ela
ocorra na universidade, nos institutos ou em qualquer outro lugar (TARDIF,
2014, p. 240).
Na
formação de professores, ensinam-se teorias sociológicas, docimológicas,
psicológicas, didáticas, filosóficas, históricas, pedagógicas, etc., que forma
concebidas, a maioria das vezes, sem nenhum tipo de relação com o ensino nem
com as realidades cotidianos do ofício do professor. Além do mais, essas
teorias são muitas vezes pregadas por professores que nunca colocaram os pés
numa escola ou, o que é ainda pior, que não demonstram interesse pelas
realidades escolares e pedagógicas, as quais consideram demasiado triviais e
demasiado técnicas (…).
Somos
obrigados a concluir que o principal desafio para a formação de professores,
nos próximos anos, será o de abrir um espaço maior para os conhecimentos
práticos dentro do próprio currículo (TARDIF, 2014, p. 241).
A
primeira é que os professores só serão reconhecidos como sujeitos do conhecimento
quando lhes concedermos, dentro do sistema escolar e dos estabelecimentos, o status
de verdadeiros atores, e não o de simples técnicos ou de executores de reformas
da educação concebidas com base numa lógica burocrática (…).
Historicamente,
os professores foram, durante muito tempo, associados a um corpo eclesial que
agia com base nas virtudes da obediência e da vocação. No século XX, eles se
tornaram um corpo estatal e tiveram que se submeter e se colocar a serviço das
missões que lhes eram confiadas pela autoridade pública e estatal. Portanto,
seja como corpo eclesial ou como corpo estatal, os professores sempre estiveram
subordinados a organizações e a poderes maiores e mais fortes que eles, que os
associavam a executores (TARDIF, 2014, p. 243).
Entretanto,
se quisermos que os professores sejam sujeitos do conhecimento, precisamos
dar-lhes tempo espaço para que possam agir como atores autônomos de suas
próprias práticas e como sujeitos competentes de sua própria profissão (TARDIF,
2014, p. 243).
Imagem copiada de: https://www.babelio.com/auteur/Maurice-Tardif/229723 |
Muito interessantes essas reflexões acerca do saber docente.
ResponderExcluirOlá. Ainda bem que gostou da nossa postagem! Muito obrigado!
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