Não só pelos críticos, mas também por todos aqueles que amam
aquilo que se é expressado por meio de letras num papel – o amor poético – da forma
mais original, desnuda e incrível, consideram Florbela Espanca como um dos
grandes nomes da literatura portuguesa, por que não, da literatura mundial.
Nascida em 1824, em Vila Viçosa (Alentejo, Portugal), Florbela d'Alma da
Conceição Espanca, teve uma vida bastante breve, se notarmos que a mesma
faleceu em 1930, com apenas 36 anos de idade[i];
mas nem por isso, custou deixar sua marca no âmago na poesia mundial. O que se
sabe é que Florbela teve uma vida pessoal tumultuada, sofrida, inquieta,
especialmente no que refere as suas relações amorosas.
Sobre a sua religião, dizia Florbela que “(...) o meu
racionalismo à Hegel, apoiado numa espécie de filosofia à Nietzsche, chegou-me
por muito tempo. Hoje... a minha sede de infinito é maior do que eu, do que o
mundo, do que tudo, e o meu espiritualismo ultrapassa do céu” (DAL FARRA,
2005).
Nosso objetivo aqui não é apontar detalhes sobre a sua vida
pessoal e/ou enquanto poeta, mas sim, tentar apresentar aquilo que se
sobressai, quando pensamos na obra de Florbela; por não conhecer a amplitude
dos seus textos, limitamo-nos no trato de alguns deles, destacando poemas e
passagens interessantes (que nos acalanta intimamente, logo uma predisposição pessoal) e de outros textos escritos por ela.
Dal Farra (2005) diz ainda que,
Nunca ninguém teve tão vasculhada
a sua intimidade, em busca de provas tanto a favor quanto contra, como essa
mulher insurrecta! Rainha, sim, mas a duras penas, a ponto de terem profanado
aviltantemente a sua privacidade, o bem que lhe era mais caro, se tornava best-seller - lugar que a sua obra ainda
conserva hoje em dia -, mais ataques lhe eram dirigidos no sentido de evitar o
risco de ser tomada como “exemplo” para as gerações femininas criadas à sombra
do salazarismo.
Suas obras:
Livro de Mágoas (1919);
Livro de Sóror Saudade (1923);
Charneca em Flor (1931);
Cartas de Florbela Espanca (...) (1931);
As Máscaras do Destino (1931);
Sonetos Completos (...) (1934);
Cartas de Florbela Espanca (...) (1949);
Diário do último ano (1981);
O Dominó Preto (1982);
Obras Completas de Florbela Espanca (1985-1986) (Rui
Guedes);
Trocando Olhares (1994)
(Maria Lúcia Dal Farra).
Vamos ao que mais interessa:
Começamos com a...
Trocando Olhares (1915-1917)
Dedicatória
É só teu o meu livro; guarda-o bem;
Nele floresce o nosso casto amor
Nascido nesse dia em que o destino
Uniu o teu olhar à minha dor!
Cantigas leva-as ao vento...
A lembrança dos teus beijos
Inda na minh’alma existe,
Como um perfume perdido,
Nas folhas dum livro triste.
Perfume tão esquisito
E de tal suavidade,
Que mesmo desapar’cido
Revive numa saudade!
Num postal
Luar! lírio branco que se esfolha...
Neve, que do céu anda perdida,
Asas leves d’anjo, que pairando,
Reza pela terra adormecida...
No Minho
Casitas brancas do Minho
Onde guardam os tesouros,
As fadas d’olhos azuis
E lindos cabelos loiros.
Filtros de beijos em flor,
Corações de namoradas,
Nas asas brancas do Minho
Guardam ciosas as fadas.
Que diferença!...
Quando passas a meu lado,
E que olhas para mim,
Tornas-te da cor de rosa,
E eu da cor do jasmim.
Vê tu que expressões dif’rentes
Da nossa mesma ansiedade:
A cor da rosa é despeito,
A palidez é saudade!
Os teus olhos
O céu azul, não era
Dessa cor, antigamente;
Era branco como um lírio,
Ou como estrela cadente.
Um dia, fez Deus uns olhos
Tão azuis como esses teus,
Que olharam admirados
A taça branca dos céus.
Quando sentiu esse olhar:
“Que doçura, que primor!”
Disse o céu, e ciumento,
Tornou-se da mesma cor!
Verdades cruéis
Acreditar em mulheres
É coisa que ninguém faz;
Tudo quanto amor constrói
A inconstância desfaz.
Hoje amam, amanhã ‘squecem,
Ora dores, ora alegrias;
E o seu eternamente
Dura sempre uns oito dias!...
Li um dia, não sei onde,
Que em todos os namorados
Uns amam muito, e os outros
Contentam-se em ser amados.
Fico a cismar pensativa
Neste mistério encantado...
Digo pra mim: de nós dois
Quem ama e quem é amado?...
Súplica (I)
Digo pra mim
Quando ele passa:
Ave Maria
Cheia de Graça!
E quando ainda
Mal posso vê-lo:
Bendito Deus
Como ele é belo!
Embalada num sonho aurifulgente
Sei apenas que sonho vagamente,
Ao avistar, amor, teus olhos belos,
Em castelãs altivas, medievais,
Que choram às janelas ogivais,
Perdidas em românticos castelos!
Duas quadras
Não sei se tens reparado
Quando passeia, o luar
Pára sempre à tua porta
E encosta-te a chorar;
E eu que passo também
Na minha mágoa a cismar
Paro junto dele, e ficamos
Abraçados a chorar!
"Procurando Florbela Espanca", de Manuela Pinheiro (pintora portuguesa). Disponível em: Sem pénis nem inveja (Veneno com açúcar). |
[i]
“Até a passagem do dia 7 para o dia 8 de dezembro de 1930 – data em que,
ritualisticamente, Florbela se suicida no momento em que completa trinta e seis
anos -, ela havia alcançado publicar, tão-somente às próprias custas, a pequena
tiragem de duzentos exemplares para cada um dos seus dois volumes de poesia: o Livro de Mágoas, em 1919, e o Livro de Sóror Saudade, em 1953” (DAL
FARRA, Maria Lúcia, 2005).
Obras Consultadas:
DAL FARRA, Maria Lúcia (Org.). Poemas de Florbela Espanca: estudo introdutório, organização e
notas. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
ESPANCA, Florbela. As
Máscaras do Destino. São Paulo:
Martin Claret, 2009. (Coleção a obra-prima de cada autor); 292).
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