INTRODUÇÃO
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“Conhece-te a ti mesmo”.
1. Há tempos o homem busca o conhecimento da
verdade e nesse percurso ele entendeu que a autoconsciência é um ótimo método
para encontrar o que procura e se conhecer individualmente. Daí a frase que
estava desde o Templo de Delfos: “Conhece-te a ti mesmo”, mostrando que o homem
deve ser conhecedor de si mesmo.
É bem fácil de observar esta vontade que o homem
tem de conhecer quando faz algumas perguntas básicas que marcam o ponto para o
universo do conhecimento, essas perguntas são feitas desde os escritos de
Israel até os trabalhos filosóficos de Platão e Aristóteles. São algumas delas:
Quem sou eu? De onde venho? Para onde vou?
2. Até a Igreja entrou nesse caminho para a busca
da verdade, porém apresentou-se numa dicotomia, pois mostrava o caminho da
verdade através de Cristo e os vários estágios de verdade que nos aparecem na
vida, até chegar a verdade última.
3. Dentre as várias formas que o homem teve e tem
para conhecer, podemos citar a Filosofia, a partir da interrogação que o home
faz do que vê e do que não vê, ela coloca a questão e nos esboça uma resposta,
sendo assim uma das tarefas mais nobres da humanidade.
4. É certo que algumas coisas nos apresentam vários
significados por trás da sua aparência, exigindo que o homem busque
conhecimentos universais, esses conhecimentos podem nascer da maravilha
(contemplação do ser), onde o homem enche-se de encanto por participar e
partilhar do destino junto com todos os outros seres, descobrindo, com isso,
conhecimentos novos. A capacidade reflexiva, própria do homem, faz com que ele
sistematize suas descobertas e assim siga algumas correntes filosóficas, porém
não devendo esquecer a origem do pensar filosófico. Foi progresso do saber que
fez aparecer inúmeros conhecimentos filosóficos, isso mostra que além das
correntes de pensamento há uma espécie de patrimônio espiritual da humanidade, como
se cada um tivesse uma filosofia implícita, genérica.
5. A Igreja sabe da importância da Filosofia para o
conhecimento da verdade do homem, para compreender a fé e comunicar o Evangelho
aos não conhecedores. Seria bom se os vários conhecimentos modernos usassem
seus progressos não só na realidade, mas que tivessem também um objetivo
transcendental, não apenas com o predomínio da técnica.
A Filosofia limitou a capacidade de conhecimento do
homem, posteriormente vieram os Agnosticismos e a Filosofia perdeu-se no
ceticismo geral. O homem começou a contentar-se com verdades parciais e
provisórias, esquecendo-se que para chegar ao fundamento último da vida humana devem-se
fazer perguntas mais radicais.
6. “Senti a necessidade e o dever de intervir sobre
este tema (verdade), para que, no limiar do terceiro milênio da era cristã, a
humanidade tome consciência mais clara dos grandes recursos que lhe foram
concedidos e se empenhe com renovada coragem no cumprimento do plano de
salvação, no qual está inserida e sua história”.
CAPÍTULO I
A REVELAÇÃO DA SABEDORIA DE DEUS
1. Jesus
revelador do Pai
7. A reflexão feita pela Igreja, o que ela propõe
ao homem e o que existe no íntimo do nosso ser crente, tudo isto citado acima e
muito mais, provém do próprio Deus, que nos ensina a conhecer. Sendo que
através do verbo encarnado, Jesus Cristo. É através Dele que homem tem acesso
ao Pai e ao Espírito Santo.
8. O Vaticano I continua o caminho que começou a
ser trilhado há muito tempo, que é o de compreender a fé. Os padres estacam o
caráter sobrenatural da Revelação de Deus, mas os Racionalistas insistem na
negação de qualquer conhecimento que não tenha
sido criado ou sobreviva pela razão, e isso faz o Concílio reafirmar
devagar, mas sempre, a certeza da fé.
9. O Concílio do Vaticano procura deixar claro que
a verdade alcançada pela reflexão filosófica é diferente da verdade da
Revelação de Deus. A fé é diferente do conhecimento filosófico, pois este
último é guiado pelos sentidos e pela luz da razão, já a fé é revelada pelo
espírito.
10. Já no Concílio Vaticano II, os padres
reforçaram o caráter salvício da Revelação de Deus, através de Jesus Revelador,
onde Deus fala aos homens, como amigo, e declara-se através de ações e de
palavras, e são as palavras que esclarecem o mistério das obras de Deus, a
verdade de Deus é a da salvação dos homens pela mediação de Jesus.
11. A Revelação de Deus está no tempo e na
história, assim como a encarnação de Jesus, a confiança e a vida que o homem recebeu;
tudo isto realizado através do tempo que fez o homem viver na história para
chegar a Revelação.
12. A história através do nosso quotidiano nos faz
constatar na ação de Deus sobre a humanidade, a encarnação de Jesus faz nossa
mente ver algo que parecia impossível e a verdade expressa na Revelação
tornou-se acessível para o homem.
2. A razão
perante o mistério
13. É claro que a Revelação continua envolvida pelo
mistério, a compreensão dela deve partir do íntimo de cada um, a fé faz o homem
prestar assentimento e testemunhar Deus, e ela deve ser individual, livre de
influências externas. O homem deve usar a razão para junto com a Revelação
compreender e até investigar o mistério. Porém, a fé não anula o mistério, o
faz mais evidente e essencial para a vida.
14. Os Concílios anteriormente falados abriram
novos horizontes para o saber filosófico e a Revelação coloca na vida do homem
um ponto de referência, esta introduz uma verdade universal na mente do homem.
15. A Revelação é o projeto em que Deus une o que
teve início com a criação, ela pede para ser acolhida por nós, é uma expressão
de amor.
CAPÍTULO II
CREDO UT INTELLEGAM
1. “A sabedoria
sabe e compreende todas as coisas”
16. Já as Antigas Escrituras mostravam a profunda
legação entre o conhecimento da fé e da razão, sobretudo os Livros Sapienciais
que mostravam não só o tamanho da fé, mas também o valor da civilização e da
cultura. Tanto é que o autor sagrado retrata o homem sábio como o que ama e
busca a verdade. “O desejo de conhecer é comum a todo homem, seja ele fiel ou
não”.
17. Não há motivo para a fé se opor a razão ou
vice-versa, pois uma complementa e respeita o espaço da outra. O homem busca a
verdade de todas as maneiras, mas quando chega num limite intransponível
contenta-se, pois chegou à resposta para tudo e que ainda assim não responde.
18. O segredo para o sucesso pessoal e conjuntivo é
entender que o conhecimento é um caminho sem descanso e daí saber também que
tudo que se consegue não é fruto de esforços estritamente pessoais e então, ter
“Temor a Deus”, é reconhecer sua transcendência soberana de amor.
19. No Livro Sagrado de Deus nos mostra que é
possível conhecer através da Natureza, para os antigos era parecido com o saber
filosófico. O Livro ainda resgata um pouco do pensamento grego, quando diz que
raciocinando sobre a natureza pode-se chegar ao Criador. O homem não conhece a
Deus, seja o caso, não é por falta de influências, mas por obstáculos contidos
na sua vontade ou por causa de seu pecado.
20. A razão pode ser valorizada e verdadeira, caso
esteja no horizonte da fé, a Segunda liberta a primeira.
2. “Adquire a
sabedoria, adquire a inteligência”.
21. O conhecimento humano não deve se ater apenas a
observação, mas também a uma relação com a fé e os conteúdos da Revelação. Este
foi um desafio que o povo teve que vencer. A vontade de conhecer do homem
provém da ideia de que Deus lhe colocou no mundo para “explorar”, duvidar e
tentar tudo.
22. O homem tem uma capacidade racional incrível
que ultrapassa o conhecimento sensível, ou seja, o homem tem uma capacidade
Metafísica. O homem, ao desobedecer, perdeu a capacidade que tinha de conhecer
até o seu criador, isso foi uma espécie “castigo celestial”, dificultando o seu
caminho o seu caminho para chegar à verdade plena.
23. A cruz pode dar a resposta para todas as
indagações de filósofos, de teólogos e de homens comuns. “A sabedoria da cruz
supera qualquer limite cultural”. A fronteira entre a razão e a fé pode estar,
portanto, na cruz, no Jesus Crucificado, ou seria o acordo perfeito entre elas?
CAPÍTULO III
INTELLEGO UT CREDAM
1. Caminhar à
procura da verdade.
24. São Paulo, quando evangelizava, ficou encantado
com o povo de Atenas, com o tamanho de religiosidade, pois possui muitos
monumentos sagrados e também um lugar reservado para o Deus Desconhecido, e foi
desse Deus e para ocupar aquele lugar que São Paulo falou. É nestes parágrafos
que seguem que o autor fala de liberdade de escolha do homem: “Existe um
caminho para o homem, se quiser, pode percorrer, o seu ponto de partida está na
capacidade de a razão superar o contingente para se estender até o infinito”.
25. O homem é o único ser que tem desejo de saber e
“saber que sabe”, querendo, portanto, a verdade de tudo o que vê. Quando o
homem age dentro dos limites éticos tem como recompensa a estrada da felicidade
e o caminho da perfeição abertos. Ele deve abrir-se para as coisas verdadeiras
do mundo, conhecer a verdade dos valores, buscar conquistar as dimensões que o
transcendem.
26. “A verdade se apresenta para o home sob a forma
interrogativa”. A experiência cotidiana, as conquistas, os fracassos, dos
sofrimentos e muitas outras coisas desse tipo tem a responsabilidade de nos
mostrar o sentido da vida. Sendo que a maior verdade além da vida é a morte. Devendo
ao homem, portanto, a busca da verdade, para saber se a morte é o fim ou não da
existência.
27. É bom, porém, buscar a verdade numa amplitude
universal, porque mesmo que seja particular, sendo verdadeira torna-se
universal no seu campo. Mas o homem quer o além, quer uma verdade última a
ponto de não existir mais nada depois dela que possa ser pensada ou indagada.
2. Os diferentes rostos da verdade do homem
28. O homem busca a verdade não só pela coerência
dos raciocínios, às vezes, usa as limitações da razão e da inconstância do
coração. É notável que nem sempre ele está nesta busca, mas também não poderia
viver na dúvida. “O homem é aquele que procura a verdade”.
29. É claro que o homem sempre encontrar uma
verdade que já tenha dela uma ideia de como seja mais ou menos. Ele não procura
as coisas em vão. Primeiro há uma intuição e logo depois o processo de
investigação. Cada verdade encontrada confirma a capacidade positiva do
conhecimento do homem.
30. Cada um de nós, mesmo sendo filósofos ou outros
mais, somos “caçadores de verdades”; da nossa própria existência; da vida
cotidiana; do nosso comportamento.
31. O homem já nasce na vida social, repleta de
verdades impostas, que devermos, então, pô-las em dúvida. É bem verdade que o
homem convive mais com as verdades adquiridas do que com as verificadas
pessoalmente.
32. Nós estamos mais envolvidos nos conhecimentos
adquiridos através das crenças, mas é bom sabermos que esta não é uma forma
perfeita de conhecimento, logo precisa de aperfeiçoamento, mas a busca
primordial é a da sua própria verdade, sua própria perfeição.
33. O homem não busca apenas verdade físicas ou
científicas, busca essencialmente uma verdade absoluta, esta sim é a que lhe
mantém vivo e ativo. A Religião consegue tirar o homem da simples crença e
levá-lo ao caminho do mistério de Cristo, sendo este o Verdadeiro caminho para
Deus, Uno e Trino.
34. A verdade através de Jesus Cristo não é,
necessariamente a negação da verdade encontrada pela razão (Filosofia), pois
deve haver partilha, auxílio. A Filosofia pode, portanto, encaminhar a busca da
verdade sendo que a Revelação é o principal caminho.
CAPÍTULO IV
A RELAÇÃO ENTRE A FÉ E A RAZÃO
1. As etapas
significativas do encontro entre a fé e a razão
36. É bem verdade que no início da difusão do
Cristianismo houve companheirismo para com o conhecimento filosófico, é só
lembrar o que fez São Paulo no encontro com os Epicuristas e os Estoicos.
37. A aproximação dos cristãos com a Filosofia
criou uma certa cautela quando se tratava do mundo cultural pagão (por exemplo:
a gnose). A Filosofia por ser um conhecimento racional costumava mostrar um
caráter superior, objeto de alguns privilégios e São Paulo abriu os olhos do
povo quanto a esses posicionamentos da Filosofia, mais tarde Irineu e
Tertuliano fizeram o mesmo para que ficasse claro que a Revelação não é
subordinada a Filosofia, mas o inverso.
38. Era necessário para que o Cristianismo fosse
incorporado no novo caminhar, com a Filosofia, mas o primordial, no
Cristianismo era propagar o Cristo ressuscitado e levar o povo ao pedido do
batismo. “Desde o início o Cristianismo já anuncia a igualdade de todos os
homens diante de Deus”. Portanto, todos têm condições de chegar à verdade de
Deus. É importante mostrar que alguns sábios antigos, como Justino, Clemente de
Alexandria, tinham o Cristianismo como a verdadeira Filosofia e hoje muitos
dizem que ele (Cristianismo) não precisa da Filosofia para que tenha valor, tenha
validade.
39. Platonismo ou Aristotelismo? Muitos teólogos e
filósofos usaram um dos dois. O Platonismo foi mais aceito, mas não significa
que ele era perfeitamente conciliável com o Cristianismo; ele sofreu profundas
transformações, porém o Aristotelismo foi quem sofreu mais modificações.
40. Na conciliação do Platonismo e no
Neo-platonismo com o Cristianismo mereceu destaque Dionísio (Areopagita) e
Santo Agostinho. A síntese feita por Agostinho tornou-se a maior reflexão
filosófica e teológica que o Ocidente conheceu.
41. Os padres da Igreja foram mais que defensores e
reforçadores da fé, foram detentores de um incrível método de reflexão:
“conseguiram explicar plenamente aquilo que estava mais implícito e preliminar
ao pensamento dos grandes filósofos antigos”. Mostraram o ponto transcendente e
absoluto que a razão pode atingir, livre de vínculos externos.
42. “A fé requer que o seu objeto seja compreendido
com a ajuda da razão, no apogeu de sua indagação, admitindo como necessário
aquilo que a fé representa”. Isto confirma a harmonia fundamental entre o
conhecimento filosófico e o conhecimento da fé.
2. A novidade
perene do pensamento de Santo Tomás de Aquino
43. De cara, Santo Tomás achava que a luz da fé e a
luz da razão provinham de Deus. Sendo que uma aperfeiçoava, suscitava a
confiança na outra e vice-versa. Pelos seus grandes préstimos no campo da
Revelação de Deus (conhecimento de fé), Santo Tomás é proposto pela Igreja como
um modelo reto de fazer teologia.
44. “A sua Teologia permite compreender a
peculiaridade da Sapiência na sua ligação íntima com a fé e o conhecimento de
Deus”. Santo Tomás era um amante da verdade pura, unida apenas a Filosofia
racional e não a Filosofia profana. Podendo ele ser chamado de “apóstolo da
verdade”, pois soube reconhecer a objetividade da verdade.
3. O drama da
separação da fé e da razão
45. Santo Alberto Magno e Santo Tomás foram os primeiros a observar a importância de
outras formas de pesquisa e também do
saber científico, só que a partir da Baixa Idade Média e conciliação entre
Filosofia e Teologia (razão e fé) perderam um pouco de valor, porém deu-se
muito mais espaço a fé. Todo o trabalho feito pelos patrísticos e pelos
medievais foram atropelados por certos sistemas que separaram o racional da fé.
46. O pensamento moderno chegou radicalizando e se
desenvolveu longe do âmbito da Revelação Cristã, chegando até a contrapô-la. Alguns
desses representantes do pensamento moderno chegaram até ao Ateísmo, negando
Cristo. Mas, foi a investigação científica, através de uma mentalidade
científica, quem mais se afastou da vida cristã.
47. Na modernidade, até a Filosofia ganhou outra
função, deixando se ser sabedoria universal e passando a ser uma das tantas
áreas do saber.
48. Após tantas oposições, tantas conciliações,
tantas controvérsias; após tantas teorias e metodologias, talvez feitas em vão,
após tanto negar o outro, confirmar, lutar; após tantas formulações de
raciocínio apenas quantitativas, algumas qualitativas sem muito a acrescentar na
concretude da sobrevivência; após muitos pensamentos de que tudo estava
concluído, que se tinha chegado ao fim: este livro, o qual foi resumido (FIDES
ET RATIO) nos mostra que esta última parte da Filosofia serviu “como
constatação duma progressiva separação entre a fé e a razão”. E agora, que
homem meio fora do comum e da normalidade irá nos propor, irá escrever? Será
que os anteriores, os do presente e futuros usuários do raciocínio coerente,
amam mesmo a sabedoria, buscam mesmo uma verdade absoluta a todo o custo? Ou
apenas querem ajudar ao mercado econômico gastando papeis e tintas, comprando
canetas? E sabe-se lá o que o virá depois?
JaloNunes.
Papa João Paulo II. Foto retirada de: www.religionenlibertad.com |
REFERÊNCIA
PAULO II, Sua Santidade João. Documento 160: Fides et Ratio. 3ª. ed. São Paulo: Paulinas, 1999.
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